Ministério da Justiça tem pronto um decreto que, se colocado em prática, representará a mais completa mudança no sistema de demarcação de terras indígenas no país desde, pelo menos, a Constituição de 1988. O texto coloca em xeque terras já demarcadas e reconhecidas por governos anteriores, ao permitir que sejam contestadas por "interessados".
Uma exposição de motivos e uma minuta de decreto, aos quais a Folha teve acesso, incorporam teses de interesse de fazendeiros e exigências contidas na PEC 215, apoiada pela bancada ruralista e combatida por índios.
Confira a matéria da Folha de São Paulo publicada hoje.
Documento do governo altera regra para demarcar terra indígena
por RUBENS VALENTE de BRASÍLIA 12/12/2016 00h00
Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, reunido com líder pataxó em julho deste ano foto: Valter Campanato - 6.jul.2016/Agencia Brasil |
O Ministério da Justiça tem pronto um decreto que, se colocado em prática, representará a mais completa mudança no sistema de demarcação de terras indígenas no país desde, pelo menos, a Constituição de 1988.
O texto coloca em xeque terras já demarcadas e reconhecidas por governos anteriores, ao permitir que sejam contestadas por "interessados".
Uma exposição de motivos e uma minuta de decreto, aos quais a Folha teve acesso, incorporam teses de interesse de fazendeiros e exigências contidas na PEC 215, apoiada pela bancada ruralista e combatida por índios.
Tornam ainda regra do Executivo entendimentos jurídicos de ministros do Supremo Tribunal Federal e contestados pela Funai (Fundação Nacional do Índio).
Indígenas e indigenistas, informados pela reportagem sobre a proposta, afirmaram que ela representa na prática a revogação do decreto 1.775, do governo Fernando Henrique Cardoso, que há 20 anos regula o tema.
"O objetivo está claro, esse decreto iria inviabilizar mais de 80% das terras indígenas no país, cerca de 600 territórios em processo de demarcação ou reivindicados pelos índios", disse Cleber Buzatto, do Conselho Indigenista Missionário.
A minuta do decreto adota a tese do "marco temporal", segundo a qual apenas indígenas que estavam na terra ou a disputavam judicialmente em outubro de 1988, quando da promulgação da Constituição, poderiam ter direito a ela.
Segundo essa tese, os índios que deixaram ou foram expulsos de suas terras e não as retomaram em 1988, mesmo que por meios violentos, perdem o direito de reivindicá-la.
Outra novidade é a criação de uma indenização para indígenas que tenham "perdido a terra". Na legislação do tema não há previsão de pagamento a indígenas para que deixem de reivindicar terras –o que o governo faz, como previsto na Constituição, é indenizar os fazendeiros e retirá-los de terras indígenas.
Uma terceira inovação é a necessidade de que processos de demarcação que estão em andamento tenham que incorporar "as diretrizes" do documento.
É prevista abertura de prazo de 90 dias para que "interessados" se manifestem sobre processos que já estejam homologados pela Presidência, mas sem registro em cartório, última etapa do processo de demarcação.
"É de uma gravidade que é alarmante a informação de que pode estar ocorrendo uma discussão dentro do governo sem transparência e sem clareza na motivação", disse à Folha o subprocurador geral da República, Luciano Maia.
Procurado desde a quinta (8), o Ministério da Justiça informou, por meio da assessoria, que não havia uma resposta em tempo hábil, do setor competente sobre o assunto. Em novembro, em nota enviada à Folha, a Casa Civil da Presidência afirmou que "não haverá alteração do sistema de demarcação de terras indígenas".
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