domingo, 27 de agosto de 2023

40 anos do martírio de Margarida Maria Alves

por Luís Zadra 


27 de agosto, em Alagoa Grande, PB, celebramos os 40 anos do martírio de Margarida Maria Alves. 
A celebração foi precedida pela semana pedagógica nas escolas para lembrar a história desta mulher destemida que enfrentou o latifúndio da região de Alagoa G. para defender condições melhores de trabalho para os canavieiras. Ela se tornou uma referência nacional e motivou a iniciativa da marcha anual das “Margaridas" em Brasília. 

O cortejo saiu da casa dela, perto do centro da cidade, passou no cemitério onde foi colocada uma coroa de flores. Em seguida foi celebrada a missa na matriz onde foi enaltecido o testemunho dela. 
Os padres assumiram uma postura muito firme para mostrar o valor e o legado dela, condenando o poderio do latifúndio assassino. Margarida dizia “medo nós tem mas não usa”. O mártir sabe que pode morrer, mas o amor dele é mais forte do que o medo da morte. Amor pelos direitos dos mais fracos, dos espoliados, dos marginalizados. 
A celebração da semana de Margarida foi concluída com uma comemoração na frente do sindicato. Infelizmente o povo da cidade foi o grande ausente. Como dizia o Mestre, nenhum profeta é reconhecido em sua terra. Mas Margarida vive nos corações que lutam por vida e justiça com os empobrecidos e pisados. Tenho sorte por andar muitas vezes na terra de Margarida e passar na frente de sua casa. Ela sempre me motivou, quando ainda estava no Maranhão no tempo de sua morte. 
Naqueles anos foram martirizados padre Ezequiel e padre Josimo além de muitos outros e outras testemunhas do evangelho.

terça-feira, 8 de agosto de 2023

Em nome de Margarida

por Luís Zadra


Na madrugada do dia 9 de março de 1998, com umas quarenta pessoas, mulheres, homens e crianças ocupamos a fazenda Engenhoca, parte do latifúndio usina Tanques no município de Alagoa Grande. Pertencia ao latifundiário que perseguiu e mandou assassinar Margarida M. Alves. Seja na preparação dos meses anteriores a ocupação com 7 grupos espalhados no município, como também nos meses que se seguiram sempre lembramos de Margarida e em nome dela lutamos pela conquista da. Foi uma conquista em cima do latifúndio assassino, numa cidade que ainda vivia o medo pela violência do latifúndio.

A partir disto mudaram as coisas em Alagoa grande. Surgiram 8 assentamentos com mais ou menos 300 famílias. Ajudamos a resgatar a memória de Margarida que apelidávamos de “nossa santinha”. Sempre nos motivou na luta pela terra dos quilombolas na Paraíba. 

Tenho orgulho de ter participado pessoalmente de todo o processo. Não é motivo de glória, mas sensação do dever cumprido. A opção pelos pobres nos torna agentes de mudança, mas sem sermos nós os protagonistas. 

Dizia don Milani “ajuda as pessoas a fazerem seu caminho sem fazer o teu as custas delas”. Este estandarte nos acompanha há muitos anos e sempre mudamos a data da comemoração. São agora 40 anos e a luta não foi em vão. 

Acredito que as mulheres de Alagoa Grande o levarão para a próxima marcha das Margaridas em Brasília. O sangue dos mártires é semente de vida.


sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Paraíba tem mais de 16,5 mil quilombolas

Levantamento censitário pioneiro no Brasil mostra que cinco municípios paraibanos concentram essa população 

por Alexsandra Tavares 

A Paraíba conta com 49 comunidades quilombolas autorreconhecidas. A maioria está no Sertão e Cariri - Foto: Marcos Augusto/Divulgação

Com uma população quilombola de 905.415 pessoas, o Nordeste concentra mais da metade (68,2%) desse grupo ético entre as outras regiões brasileiras (Confira os números por regiões no quadro). A Paraíba, porém, é o estado da região que apresenta o menor número de quilombolas, com um contingente de 16.584 pessoas. Os dados fazem parte dos primeiros resultados do “Censo Demográfico 2022 - Quilombolas”, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Essa foi a primeira vez em um levantamento censitário brasileiro que a população quilombola foi identificada enquanto grupo étnico. No ranking do Nordeste, o estado que mais apresenta pessoas quilombolas é a Bahia (397.059), em seguida vêm o Maranhão (269.074) e Pernambuco (78.827). Depois aparece Alagoas (37.722), Piauí (31.686), Sergipe (28.124), Ceará (23.955), Rio Grande do Norte (22.384) e, por fim, a Paraíba (16.584). 

De acordo com o pedagogo Marcos Augusto Rodrigues, morador quilombola que integra o Centro Estadual de Referência da Igualdade Racial João Balula, órgão da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (Semdh), a Paraíba conta com 49 comunidades quilombolas autorreconhecidas. “A maioria está no Sertão e no Cariri. Um dos fatores principais para esse número pouco expressivo populacional é devido ao fato dessas comunidades ainda não terem seu território consolidado. Isso implica na falta dos meios de produção, então, elas têm que migrar para outras regiões”, declarou. 

Segundo ele, há um grande fluxo migratório de pessoas quilombolas da Paraíba para regiões como o Sudeste, o Sul e Centro-Oeste do país, que vão trabalhar na colheita de algumas culturas, a exemplo do café e da laranja. “Essas pessoas migram para outras regiões porque onde estão não há meios de produção suficientes para se manterem nos territórios”, disse Marcos. 

O levantamento do IBGE mostrou que os municípios paraibanos que apresentaram maior quantidade de residentes quilombolas foram Conde (cerca de 3.000), João Pessoa (2.260), Cacimbas (1.698), Santa Luzia (1.324) e Alagoa Grande (946). No geral, 51 municípios do estado registraram população quilombola. Quando se calcula a proporção entre o número de quilombolas com a população de cada município, os destaques ficam para Cacimbas (23,5%), Conde (10,9%), Diamante (9,4%), Santa Luzia (8,9%), Riachão do Bacamarte (8,8%) e Dona Inês (7,8%). Em João Pessoa, essa proporção é de 0,3%. 

O “Censo Demográfico 2022 - Quilombolas” mostrou também que apenas 17,60% da população quilombola da Paraíba estão em territórios oficialmente delimitados, o que compreende 2.918 pessoas. Ao todo, são 11 territórios oficialmente delimitados no Estado. Os primeiros lugares ficaram com Sergipe (45,24%), Piauí (26,54%) e o Ceará (19,18%). Depois vêm a Paraíba (17,60%), o Rio Grande do Norte (15,39%), o Maranhão (10,79%), Pernambuco (8,59%), Bahia (5,23%) e Alagoas (1,83%). Vale lembrar que o percentual paraibano é superior ao nacional (12,59%). 

De acordo com o levantamento do IBGE, 82,4% da população quilombola paraibana, ou seja, 13.666 pessoas, está fora de territórios quilombolas oficialmente delimitados. Segundo o pedagogo Marcos Augusto, o processo de demarcação, delimitação e titulação do território quilombola é moroso, e isso traz consequências para os moradores. “Com o território definido, essas populações têm o seu meio de sobrevivência, uma vez que as comunidades se mantêm da agricultura familiar. Quando isso não ocorre, há o fluxo migratório, porque elas não têm como produzir. Por isso, as comunidades defendem que não sejam dadas terras a elas, e sim o direito ao território”. 

Marcos Augusto Rodrigues frisou que esse levantamento censitário inédito no país é de grande relevância, pois além de mostrar o retrato dessa população, poderá divulgar as necessidades dos quilombolas. “O Governo Federal também teve um diálogo muito aberto com as comunidades durante esse Censo, e permitiu que os próprios quilombolas participassem diretamente do processo, pois muitos trabalhavam como recenseadores”, salientou Marcos. 

O coordenador de divulgação do Censo na Paraíba, Jorge Alves, afirmou que durante o levantamento de dados dos quilombolas, a principal dificuldade foi quantificar essa população em locais que não eram delimitados como quilombolas. “A outra dificuldade diz respeito a realização de uma pesquisa em todos os domicílios do país, considerando que o Brasil tem dimensões continentais”. 


Imagem: Jornal A União

População vive em cerca de 6,1 mil domicílios 

Na Paraíba, cerca de 6,1 mil domicílios particulares permanentes ocupados apresentam, pelo menos, um morador quilombola. Nessas residências, estão mais de 19 mil pessoas das quais 85,4% se consideram quilombolas, o que representa um quantitativo de 16,3 mil pessoas. 

Segundo o IBGE, as residências que recebem essa definição são aquelas que foram construídas especificamente para servirem como moradia e que, na data de referência da pesquisa, tinham alguém ocupando o espaço. Vale registrar que, a média de moradores em domicílios particulares permanentes ocupados com pelo menos um residente quilombola foi de 3,1 pessoas. 

Comunidades têm atraso de serviços básicos 

As comunidades quilombolas trazem, geralmente, um cenário de atraso em serviços básicos garantidos à sociedade do século 21. José Maximino da Silva tem 38 anos e nasceu no Quilombo Matão, em Mogeiro, distante quase 100 quilômetros de João Pessoa. 

O território, onde moram quase 200 pessoas, ainda não tem a titulação definitiva, mas possui o uso de posse da terra. No lugar não há água encanada, e o abastecimento hídrico vem de poços artesianos, erguidos pelos moradores. Algumas casas apresentam, de forma improvisada, um sistema de ligação com os poços artesianos. Segundo Max, como é conhecido na comunidade, também não há saneamento básico no quilombo, e nas casas há fossas sépticas, construídas pelas próprias famílias. 

"O lado bom de se morar num quilombo é que você está num lugar ancestral, com sua identidade étnica preservada" José Maximino da Silva 

As principais atividades econômicas dos moradores de Matão são a agricultura familiar e o artesanato. Lá se cultiva feijão, milho, maxixe e hortaliças. “As hortaliças são cultivadas no sistema agroecológico e há pouco tempo começamos a plantar, não apenas para a nossa subsistência, mas para vender nas feiras das cidades próximas. As mulheres também trabalham com crochê, labirinto e bordados”, disse Max, que é pedagogo e faz parte da coordenação do projeto “Resistência Quilombola”, ligado à Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Brasil (Conaq). 

Entre as inúmeras demandas das comunidades quilombolas, as principais, segundo ele, são a demarcação, delimitação e titulação do território. Porém, mesmo existindo uma série de demandas necessárias para melhoria devida da população, ele conta que é importante viver em um lugar pleno de história, identidade e pertencimento. 

“A origem do Quilombo Matão data de 1889. Ele surgiu logo após a abolição da escravatura, quando os negros se embrearam nessas terras, que eram mata nativa. O lado bom de se morar num quilombo é que você está num lugar ancestral, com sua identidade étnica preservada e você tem uma relação de pertencimento com esse espaço. Antes de você existir, havia outros dos seus que viveram ali, e isso é a base da formação quilombola”, frisou. 

Obras públicas 

Apesar da burocracia, lentidão e dificuldade em se titular definitivamente um território quilombola por parte de organismos federais, o Governo do Estado promove ações que melhoram a qualidade de vida dessas comunidades. 

O pedagogo Marcos Augusto Rodrigues afirmou que entre as políticas públicas do Estado estão o beneficiamento na acessibilidade das estradas, a adesão a projetos como o da “Dignidade Menstrual”, que chegam às mulheres quilombolas, o Cooperar, entre outros. “Então, são políticas públicas estruturantes, que dão mais visibilidade e qualidade de vida a essas comunidades”, enfocou. 

Durante o ano, são realizadas ações por várias secretarias estaduais. Uma delas, é a série de atividades de promoção do mês das mulheres negras latino-americanas e caribenhas, promovido pela Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (Semdh). 

A programação, que conta exibição de filmes, práticas terapêuticas, debate sobre empreendedorismo, nutrição coletiva e valorização da ancestralidade, entre outras práticas, ocorre durante todo o mês de julho nas comunidades quilombolas. 

Saiba Mais 

Do total de habitantes da Paraíba (3.974.495), a população quilombola representa 0,42% desses habitantes. No cenário nacional, o estado apresentou o 14º maior volume de quilombolas. Conforme o IBGE, foram consideradas quilombolas todas as pessoas que se identificaram dessa forma durante a aplicação do questionário pelos recenseadores.

Cadastro da Agricultura Familiar é tema de encontro de entidades e quilombolas no MPF da Paraíba


Representações da extensão rural paraibana, Incra, associações de quilombolas de todo o estado da Paraíba, Cehap, Incra, dentre outras, estiveram presentes em reunião, na última quarta-feira, 02 de agosto, com componentes do Ministério Público Federal (MPF) pra discutir medidas para efetivar a inscrição das famílias dos quilombos paraibanos no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF). 

Na reunião, explica a assessoria do MPF, os técnicos da Empaer explicaram a Portaria 20, de 27 junho de 2023, publicada pelo MDA, a qual estabelece as condições e os procedimentos gerais para inscrição no CAF, cadastro que substitui a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). Conforme demonstraram, continua aquela assessoria, a nova portaria simplificou o acesso às políticas públicas, exigindo apenas RG, CPF e autodeclaração de pertencimento a comunidades remanescentes de quilombos. “Também informaram que a Empaer está preparando cartilha com orientações sobre a nova portaria e se prontificaram a intensificar ações conjuntas nas comunidades quilombolas para acelerar o processo de inscrições de quilombolas no CAF”, reforça aquela assessoria. 

Após as discussões, continua aquela assessoria, ficou acordado que a Empaer, em colaboração com a Cecneq, formará força-tarefa para visitar os 32 municípios paraibanos onde estão localizadas as 49 comunidades remanescentes de quilombos identificadas no estado. O objetivo principal será priorizar as inscrições no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar quilombola, garantindo assim, que essas comunidades tenham acesso a políticas públicas importantes. Adicionalmente, foi agendada para 11 de agosto de 2023 reunião com a Companhia Estadual de Habitação Popular com o objetivo de estabelecer diálogo para a implementação de políticas públicas relacionadas à moradia nas comunidades quilombolas.