terça-feira, 22 de maio de 2012

UM BREVE CONTATO QUILOMBOLA de Bianca Stella Matias de Araújo

No que concerne à experiência sobre a exposição de Alberto Banal na Estação Ciência Cultura e Artes, pude conhecer sobre a cultura quilombola e por que não dizer da minha cultura? Por que há essa resistência em uma assimilação da cultura negra, afro e que remonta às nossas origens? Sabemos que durante muitos anos, africanos foram deportados para o Brasil sendo considerados como coisas, mercadorias assim também como seres sem alma, podendo ser usados por seus donos como estes bem quisessem. De acordo com o que foi dito, podemos notar o quanto é difícil nos reconhecer enquanto cultura negra, quilombola, indígena, afro. Assumir-se como negro traz estigmas e está no imaginário da sociedade como ligado ao escravo, enquanto considerado ser sem alma, e que não presta. Consequentemente, há uma espécie de barreira ao reconhecimento da identidade negra.
Há no Brasil, uma supervalorização das ditas culturas “de fora”, americana e europeia, mostrando-se como culturas ideais e racionais e modelo a ser copiado e seguido, rejeitando-se as raízes negras e indígenas, pois estes são considerados enquanto inferiores e anticivilizados em relação àquelas. Neste sentido, precisamos aprender sobre a nossa cultura e valorizá-la. “Os governadores, na república dos Índios, aprendem índio”.[1] Em relação aos quilombolas, podemos observar que existe um grande desejo para que a educação seja voltada para a comunidade e para o autorreconhecimento enquanto negro, que possui um elemento de identidade ligado à terra e ao resgate e valorização da cultura que possibilite apreender as origens dos antepassados, diminuindo a dificuldade ao declarar-se negro e quilombola, que como já foi dito, traz estigmas e preconceitos.
Algo importante a ser observado é que uma educação com base em uma valorização da cultura quilombola, não exclui a possibilidade dessas comunidades terem contato com tecnologias e ainda assim serem quilombolas ou indígenas. Por conseguinte, veremos desde pessoas fabricando louças de barro, como fazendo cursos de fotografias com câmeras digitais sem perderem sua identidade.
Não há como se pensar em território quilombola sem a identidade. Este território é o lugar onde eles estabeleceram vínculos com a natureza, pescam, caçam, descobrem lugares, ou seja, a experiência é infinita. É o lugar em que seus antepassados viveram, e que eles, agora, ouvem as histórias. Histórias essas difíceis, de lutas, marcadas por trabalhos desgastantes na colheita da cana, como as que foram narradas por Zé pequeno, João Paulo e Dona Severina.
Para finalizar, depois de uma manhã a apreciar as fotografias dos jovens e de Alberto Banal, tive a oportunidade de assistir Dona Lourdes moldar as louças a partir do barro, ouvindo histórias e músicas cantadas por Zé pequeno.
A mostra revela sua fundamental importância ao mostrar que o povo quilombola apesar de esquecido pela sociedade, está vivo, e que deve viver com qualidade com seus direitos que muitas vezes são renegados, assegurados.



[1] SANTOS, Boaventura de Sousa; A gramática do Tempo: Para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006. P.202

12 de maio: encontro com a monitora quilombola Rosângela (quilombo Matão)
20 de maio: assistindo a fala de João Paulo (quilombo Pedra d'Água)
Zé Pequeno (quilombo Negros das barreiras)

Dona Lourdes (quilombo Grilo)

Dona Severina (quilombo Senhor do Bonfim)



Bianca e os seus colegas do Curso de Direito na UFPB

segunda-feira, 21 de maio de 2012

SEVERINO E SEU CAVALO DE AÇO de Luís Zadra

Estamos voltando do quilombo do Grilo com coração amargurado e triste: a estiagem está acabando com tudo. A paisagem é árida e o olhar espraia num cenário cinzento debaixo de um sol inclemente. Os pés de pinha estão murchos e com as frutas que  não vingaram, queimadas pelo sol. O inhame que prometia não enramou, até as águas das cisternas estão minguando. Bate na mente o canto Asa Branca enquanto vou descendo a serra. Grilo é um lugar bonito agarrado em cima de uma serra bem alta: quando não falta inverno é lindo, mas se torna  lugar difícil para quem vive aqui há uma vida e de quando em vez se depara com a seca. No caminho encontro o Severino que todo equipado está subindo de volta do mercado em sua moto. É sábado e foi para a feira na cidade como todo morador da região. Quase não o reconheço com sua cabeça miúda enfiada num  capacete enorme e só do uma buzinada para cumprimentar este guerreiro. Não da para parar nesta estrada acidentada e íngreme: o motoqueiro pode ter dificuldade para arrancar de novo. Encontrar o Severino, de repente me deu animo, foi quase uma bofetada na cara para quem andava carregando as agruras do lugar e me lembrei da história deste homem que sempre admirei. Severino é marido de Lourdes a louceira do Grilo. Os dois são uma nota característica da comunidade de umas 60 famílias com suas casinhas situadas no meio de pedras enormes, em cima da serra de onde se podem observas quatro cidades. Já perto dos setenta, este casal é acolhedor, simpático: sua casinha é bem limpinha e aconchegante.
Lembro-me que uns três anos ou mais atrás, seu Severino que sempre andava num burro velho para cima e para baixo da serra , inventou de comprar uma moto usada para substituir o burro já meio cansado, alias os dois, ele e o o seu burro de estimação que ainda hoje zela como fosse parte da família. É o companheiro no roçado. O casal não tem filhos, mas ajudou a criar os sobrinhos, vários sobrinhos que depois procuraram seu destino. Lembro-me que quando admirado, indaguei seu Severino como fazia para andar no seu cavalo de aço, como ele dizia, numa serra onde não tem um metro de chão plano, já de idade avançada, ele me respondeu que um dia haveria de amansar esta fera Por enquanto treinaria só em cima da serra porque a ladeira é perigosa demais e as pernas ainda não estavam firmes. Severino teimou, teimou e consegui. Devagar andou ladeira abaixo e acima como  para mostrar a sua nova amiga moto como se andava pelas serras: com muita manha. Severino adoeceu, findou por causa de uma gastrite ou talvez outra coisa pior que nunca soube o que fosse e que o reduziu a pele e osso, ele que já era magrelo por natureza. Enfrentou uma cirurgia em Campina Grande que o abriu do gogó a virilha. Ficou parado um tempão enquanto tentava se  recuperar. A moto o aguardava, alias os dois se aguardavam para tempos mais favoráveis. Volta e meia se consultava na cidade  mas estava muito difícil para ele. Um dia o encontrei no Grilo, me despedi dele porque por causa de uma viagem eu demoraria para voltar. Descendo a serra tinha uma sensação triste que nunca mais o teria reencontrado. Tinha ficado um nadinha e todo mundo estava preparado para o pior. Mas este Severino honrou os Severinos deste nordeste bravio e teimoso e escapou e la vai ele no seu cavalo de aço que finalmente amansou, aos quase setenta anos, desafiando o mundo com uma calma e uma mansidão sem fim como se tivesse feito uma coisa comum.  Estas serras, este nordeste produziram gente de raça, de garra que sabem enfrentar os percalços da vida. A seca do nordeste moldurou gente para viver nas adversidades, gente que enfrenta as paradas piores e que sabe esperar, agarrada ao seu torrão que muitas vezes teve que deixar por causa da fome, mas por tempo porque sempre  bate a saudade e quando chove o sertanejo endoida para voltar, para plantar, para encher os olhos do verde que de repente brota nas terras mais secas e queimadas como bem  cantava o poeta na   “A Volta da Asa Branca” (Luiz Gonzaga). É o ciclo da vida, da “Morte e Vida Severina” (João Cabral de Melo Neto).

Severino
Severino, dona Lourdes, Maria num encontro com Luís
Imagens da seca


a pista para o Grilo

A casa de Severino e dona Lourdes
Imagens do Grilo

Severino procurando água




domingo, 20 de maio de 2012

Neabi encerra o curso afro visitando a exposição Quilombos da Paraíba na Estação Cabo Branco Ciência Cultura & Artes

O Neabi – Núcleo de estudos e pesquisas afro-brasileiros e indígenas/UFPB – organizou no mês de maio de 2012 um minicurso sobre “Acervo, memória e população negra”.

Os ministrantes da primeira sessão foram a profª Solange Pereira da Rocha (DH/NEABI/UFPB) e o proº Elio Chaves Flores (DH/NEABI/UFPB):

1. PROAFRO: programa de Promoção da Igualdade Racial e Valorização da Matriz Cultural Africana no Estado da Paraíba/Nordeste/Brasil;
2. Organização e uso de Banco de Dados e escrita da história e memória da população negra da Paraíba.

Os ministrantes a seguir foram a Profª Lìgia Luís de Freitas – Doutoranda em Educação/PPGE/UFPB, a Bibliotecária Leyde Klébia – Mestranda em Ciências da Informação/PPGCI/UFPB e a Profª Alcilene da Costra Andrade – Mestre em Educação/PPGE/UFPB/profª da UEPB.
Objetivos:

1. Discutir sobre os conceitos de acervo digital e memória e da sua importância para reconhecimento das contribuições da população negra na sociedade brasileira.

2. Refletir sobre come pluralidade(s) e diversidade(s) etnicorraciais aparecem (memória) e são tratadas pela sociedade.

3. Reconhecer a importância da construção de acervos digitais para preservação da memória da população negra.
Conteúdos:

Conceitos e saberes necessários: acervo e memória (ponto de partida – conhecimento do grupo).

Qual a memória social brasileira sobre  a população negra? Pluralidade(s) e diversidade(s) etnicorraciais na sociedade.
Buscando e recuperando a informação etnicorracial em acervos digitais: preservando a memória da população negra.


O quarto encontro do curso foi sobre “Comunidades negras, ancestralidade e espaços de vivências”. O ministrante foi o fotógrafo Alberto Banal que, depois de uma breve palestra, projetou o documentário “Quilombos da Paraíba: a realidade de hoje e os desafios para o futuro” concluindo com a visita a exposição Quilombos da Paraíba”.



Palestra e documentário de Alberto Banal







Foto de grupo na exposição Quilombos da Paraíba















Quilombolas em cena na Estação Cabo Branco (de Luis Zadra)

No âmbito da exposição Quilombos da Paraíba, no dia 20 de maio a atenção foi voltada para as louceiras e os quilombolas velhos que vieram de várias comunidades para marcar presença. Os quilombos tem marcos muitos significativos na sua história: dentre eles o trabalho com barro e os velhos que preservam a memória oral. A presença destas figuras na Exposição tinha como finalidade oferecer ao público o testemunho vivo dos valores preservados nas comunidades quilombolas, mas também queria que os protagonistas deste momento percebessem quanto sua presença era importante num evento que tem como finalidade expor, mostrar a vida quilombola. Dona Lourdes, quilombo Grilo, moldava com suas mãos ligeiras a argila como se fosse uma criatura a quem devia ajudar a ter forma: não se importava de quem estivesse ao redor. Sentia-se em casa, como se estivesse no seu cantinho onde trabalha há anos com sua argila. Com uma agilidade impar em pouco mais de 2 horas já tinha dado vida a várias louças de formato diferente: vasilhas de uso doméstico e que remetem ao milenar costume africano de produzir estes artefatos. Enquanto isso seu João Paolo (quilombo Pedra d´Água) e dona Severina (quilombo Bomfim) contavam os “causos” duma história transmitida oralmente pela memoria coletiva. A argila tomava forma na frente do olhar atento dos presentes, o Zé Pequeno (quilombo Negros das Barreiras) em alguns momentos brindava os presentes com uma cantoria firme: corpo franzino, mas voz possante acompanhada pelo seu pandeiro enchia o salão da exposição com as cantigas populares. Estes representantes dum povo resistente e sobreviventes das muitas secas deram brilho e vida a esta imponente e bela obra de arquitetura da Estação Ciência, espaço e moldura perfeita para “expor” nobreza e vida.


Alguns modelos da produção de dona Lourdes
João Paulo "dando aula" de história
Zé Pequeno contando a história da sua vida
João Paulo, Zé Pequeno e dona Severina
Zé Pequeno, dona Severina e Lourdes
João Paulo mostra um documento de alforria
Zé Pequeno com o seu pandeiro
dona Lourdes prepara o barro
dona Lourdes em ação
trabalhando e contando histórias


as peças de dona Lourdes
dona Maria com o seu bordado labirinto


visitantes
foto de grupo
Lourdes (Pedra d'Água) perto da sua foto
dona Severina com a filha Maria perto da foto do filho Geraldo
Zé Pequeno perto da sua foto
dona Lourdes perto da sua foto
dona Lourdes com uma sua peça na exposição
Assistindo ao documentário sobre os quilombos da Paraíba
a família de Zé Pequeno visitando a exposição
o grupo de quilombolas admiram o painel de Flavio Tavares
foto de grupo para lembrar o evento