Para comemorar os 124 anos da
abolição da escravatura no Brasil, a Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e
Artes, abre a exposição “Quilombos da Paraíba”, que retrata a realidade vivida
pelas comunidades quilombolas em nosso estado. A exposição foi criada pelo italiano
Alberto Banal, 65 anos, que há sete decidiu dedicar-se no reconhecimento dos
quilombos e na luta pela terra. Membro da Associação de Apoio aos Assentamentos
e Comunidades Afrodescendentes (AACADE), ele é doutor em Letras e Filosofia em
Milão. Também é autor de dois livros italianos “28 giorni” e “Nel Paese di
Fruttilandia”, cuja receita foi revertida para obras sociais no Brasil. Alberto
Banal nos recebeu na própria Estação Cabo Branco e nos contou sobre os seus
desafios, vitórias e derrotas para ajudar a reerguer os quilombos paraibanos.
De que forma as comunidades quilombolas serão beneficiadas com a exposição?
O nosso objetivo é dar
visibilidade às comunidades e ao esforço das entidades que trabalham com os
quilombos paraibanos. Na Paraíba quase não se conhecia as comunidades negras.
Achava-se até que esse estado era “branco”. A AACADE, através da exposição, se
levanta para mostrar aos paraibanos que existe um povo de cultura negra dentro
do seu território.
A AACADE começou um trabalho de defesa de todas as populações
brasileiras que lutavam pelo direito à terra. Quando foi que a Associação
decidiu abordar apenas as comunidades quilombolas?
O MST já é um movimento grande e
de muita visibilidade. Nós entendemos que as comunidades negras eram a minoria
da minoria. Ninguém se preocupava com elas. Foi um grande caminho para
conseguirmos organizar e erguer essa causa.
Quais as tradições africanas que ainda se mantêm ativas na cultura dos
povos quilombolas?
Algumas tradições ainda
permanecem. Quando viajei para a Zâmbia e Gana encontrei mulheres que faziam
objetos de cerâmica, chamadas de louceiras, idênticos aos produzidos pelas
comunidades quilombolas paraibanas. O coco de roda é outro exemplo de dança
africana feita nos quilombos, apesar de possuir suas ramificações em várias
regiões.
E a capoeira?
Ela foi criada pelos escravos, mas
isso se deu em território brasileiro. A capoeira foi desenvolvida no Brasil
relembrando as lutas da África. Mesmo com toda essa herança, a capoeira é
brasileira, precisamos ter orgulho dela. As comunidades quilombolas de hoje só
praticam essa arte marcial porque a AACADE tem feito um trabalho de levar a
capoeira para os quilombos. Mesmo assim, é impressionante como eles absorvem-na
e em pouco tempo um garoto já se torna um grande capoeirista.
Uma das conquistas desse tipo de comunidade é o direito à terra. Como
você avalia a luta violenta dos índios no sul da Bahia para conquistar as
terras que estão privatizadas?
Eu sou contra qualquer tipo de
violência, seja ela qual for. Mas, nesse caso, analiso a violência em geral.
Será que o Brasil em si não é violento? Quando viajo para a Europa e sou parado
pela polícia de algum país, eu continuo tranquilo, faço o que mandam e vou
embora. Já quando sou parado por alguma blitz brasileira eu tenho medo. O
Brasil é um estado violento onde a polícia é o braço armado do país. Isso é uma
questão cultural e social. No caso dos índios, existiu uma indignação pela
demora do cumprimento de uma lei que já garantia o direito à terra para aquela
tribo. Depois que os indígenas usaram da força bruta para ter o que é seu por
direito, o STF deu o parecer favorável à desapropriação privada das terras e a
entrega imediata aos índios.
E se as demais comunidades que lutam pela terra seguirem o exemplo dos
índios do sul da Bahia?
Essa moda não pode pegar. Se
fizermos uma estatística do número de mortes por lutas pelo direito à terra
veremos que as únicas vítimas de assassinatos são os quilombolas, índios ou
sem-terra. Quando algum negro se ergue para exigir seus direitos, os grandes
fazendeiros já tentam eliminá-lo. Na minha visita ao quilombo Senhor do Bonfim
eu registrei a presença de três espingardas que foram tomadas dos capangas. Os
negros, que estavam cansados de tantas ameaças, se uniram e tomaram os
armamentos.
Como um italiano vê o desconhecimento do brasileiro perante os
quilombos?
Durante muitos anos a Itália foi
governada pelo Silvio Berlusconi. Isso significa que os italianos foram um
“povo de merda”, já que nosso ex-primeiro ministro nos chamou assim. Cada povo
tem os seus problemas. Não posso julgar o Brasil por isso, ele viveu por muitos
anos sob o mito do racismo cordial. A sociedade esqueceu-se do racismo e
começou a crescer convivendo-o com ele. E nisso encontramos um problema, crescimento
nem sempre tem a ver com desenvolvimento.
Como você enxerga o futuro para as comunidades quilombolas?
Eu vejo um futuro negro para os
quilombos. Cada vez mais é difícil que o estado reconheça e entregue as terras
dos quilombolas nas mãos deles. Se nos próximos 15 anos o reconhecimento da
posse das terras não acontecer, será melhor esquecer os nossos quilombos. Sem
terra não há povo, e se o direito a essa terra não chegar, em breve estaremos
estudando as comunidades quilombolas como uma pesquisa arqueológica e não como
um povo vivo.