segunda-feira, 18 de junho de 2012

QUILOMBOS DA PARAÍBA: ELES AINDA EXISTEM E ESTÃO BEM PERTO DE NÓS de Daniel Sousa


Para comemorar os 124 anos da abolição da escravatura no Brasil, a Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes, abre a exposição “Quilombos da Paraíba”, que retrata a realidade vivida pelas comunidades quilombolas em nosso estado. A exposição foi criada pelo italiano Alberto Banal, 65 anos, que há sete decidiu dedicar-se no reconhecimento dos quilombos e na luta pela terra. Membro da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes (AACADE), ele é doutor em Letras e Filosofia em Milão. Também é autor de dois livros italianos “28 giorni” e “Nel Paese di Fruttilandia”, cuja receita foi revertida para obras sociais no Brasil. Alberto Banal nos recebeu na própria Estação Cabo Branco e nos contou sobre os seus desafios, vitórias e derrotas para ajudar a reerguer os quilombos paraibanos.

De que forma as comunidades quilombolas serão beneficiadas com a exposição?
O nosso objetivo é dar visibilidade às comunidades e ao esforço das entidades que trabalham com os quilombos paraibanos. Na Paraíba quase não se conhecia as comunidades negras. Achava-se até que esse estado era “branco”. A AACADE, através da exposição, se levanta para mostrar aos paraibanos que existe um povo de cultura negra dentro do seu território.

A AACADE começou um trabalho de defesa de todas as populações brasileiras que lutavam pelo direito à terra. Quando foi que a Associação decidiu abordar apenas as comunidades quilombolas?
O MST já é um movimento grande e de muita visibilidade. Nós entendemos que as comunidades negras eram a minoria da minoria. Ninguém se preocupava com elas. Foi um grande caminho para conseguirmos organizar e erguer essa causa.

Quais as tradições africanas que ainda se mantêm ativas na cultura dos povos quilombolas?
Algumas tradições ainda permanecem. Quando viajei para a Zâmbia e Gana encontrei mulheres que faziam objetos de cerâmica, chamadas de louceiras, idênticos aos produzidos pelas comunidades quilombolas paraibanas. O coco de roda é outro exemplo de dança africana feita nos quilombos, apesar de possuir suas ramificações em várias regiões.

E a capoeira?
Ela foi criada pelos escravos, mas isso se deu em território brasileiro. A capoeira foi desenvolvida no Brasil relembrando as lutas da África. Mesmo com toda essa herança, a capoeira é brasileira, precisamos ter orgulho dela. As comunidades quilombolas de hoje só praticam essa arte marcial porque a AACADE tem feito um trabalho de levar a capoeira para os quilombos. Mesmo assim, é impressionante como eles absorvem-na e em pouco tempo um garoto já se torna um grande capoeirista.

Uma das conquistas desse tipo de comunidade é o direito à terra. Como você avalia a luta violenta dos índios no sul da Bahia para conquistar as terras que estão privatizadas?
Eu sou contra qualquer tipo de violência, seja ela qual for. Mas, nesse caso, analiso a violência em geral. Será que o Brasil em si não é violento? Quando viajo para a Europa e sou parado pela polícia de algum país, eu continuo tranquilo, faço o que mandam e vou embora. Já quando sou parado por alguma blitz brasileira eu tenho medo. O Brasil é um estado violento onde a polícia é o braço armado do país. Isso é uma questão cultural e social. No caso dos índios, existiu uma indignação pela demora do cumprimento de uma lei que já garantia o direito à terra para aquela tribo. Depois que os indígenas usaram da força bruta para ter o que é seu por direito, o STF deu o parecer favorável à desapropriação privada das terras e a entrega imediata aos índios.

E se as demais comunidades que lutam pela terra seguirem o exemplo dos índios do sul da Bahia?
Essa moda não pode pegar. Se fizermos uma estatística do número de mortes por lutas pelo direito à terra veremos que as únicas vítimas de assassinatos são os quilombolas, índios ou sem-terra. Quando algum negro se ergue para exigir seus direitos, os grandes fazendeiros já tentam eliminá-lo. Na minha visita ao quilombo Senhor do Bonfim eu registrei a presença de três espingardas que foram tomadas dos capangas. Os negros, que estavam cansados de tantas ameaças, se uniram e tomaram os armamentos.  

Como um italiano vê o desconhecimento do brasileiro perante os quilombos?
Durante muitos anos a Itália foi governada pelo Silvio Berlusconi. Isso significa que os italianos foram um “povo de merda”, já que nosso ex-primeiro ministro nos chamou assim. Cada povo tem os seus problemas. Não posso julgar o Brasil por isso, ele viveu por muitos anos sob o mito do racismo cordial. A sociedade esqueceu-se do racismo e começou a crescer convivendo-o com ele. E nisso encontramos um problema, crescimento nem sempre tem a ver com desenvolvimento.

Como você enxerga o futuro para as comunidades quilombolas?
Eu vejo um futuro negro para os quilombos. Cada vez mais é difícil que o estado reconheça e entregue as terras dos quilombolas nas mãos deles. Se nos próximos 15 anos o reconhecimento da posse das terras não acontecer, será melhor esquecer os nossos quilombos. Sem terra não há povo, e se o direito a essa terra não chegar, em breve estaremos estudando as comunidades quilombolas como uma pesquisa arqueológica e não como um povo vivo.

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