Já de saída do Matão seu Danda (João José dos Santos) acena para mim e sem palavras, pela janela do carro me entrega dois cocos verdinhos. Este homem de poucas palavras tem sempre conversa mansa: corpo miúdo, olhar atento na varanda da casa de onde observa o movimento do vai e vem da comunidade.
Receber estes cocos me deu muita alegria e como todo gesto de carinho e gratidão nos quilombos, trouxe a tona de repente e deu cor forte a muitas coisas e fatos do lugar.
Acabamos de entregar à comunidade quilombola alimentos do programa Fome Zero, junto a macaxeira e batata doce doadas pelo quilombo de Paratibe. Na mesma hora, no pátio do centro comunitário se forma uma pequena multidão: muitas mulheres e um enxame de crianças como sempre acontece no Matão. Todo mundo participa da partilha dos alimentos: são aprontados 31 montinhos, o numero exato das famílias da comunidade, lá no chão mesmo, numa divisão sem queixas e problemas. A saca de feijão em poucos minutos se esvazia pelas mãos rápidas de Zefinha, Toinha, Josita, que tem a medida certa numa panela. Em pouco tempo o pátio está desocupado dos montinhos e limpo. Cada qual leva seus alimentos na maior algazarra. E a conversa do grupinho de mulheres que fica corre solta e vai aos problemas da comunidade, alias os últimos problemas provocados por gente que nestes dias vai chegando para se aproveitar da comunidade para uso eleitoreiro, devido aos programas do governo. Todo mundo agora olha para os quilombos. No meio da discussão animadíssima surge uma perola de sabedoria que sintetiza estes anos de nossa presença e dos avanços na comunidade: “o passado se faz presente para o futuro” afirma Luzia. O povo de fato aprendeu pela própria experiência, começa a fazer ligação entre os fatos e os vários momentos da vida da comunidade.
Este lugar foi chão batido por politiqueiros e aproveitadores, sempre e só no momento das eleições. Ninguém dava nada pelos “negros do Matão”, destinados ao esquecimento e ao atraso: mas se conseguiu despertar o orgulho, o desejo, a perspectiva do futuro.
“Aqui não da nada” dizia Luzia olhando o chão esturricado pela seca quando anos atrás a incentivava a plantar pelo menos um sombreiro. De fato não tinha um pé de arvore sequer no Matão para sentar e curtir um pouco de sombra. Foi muita insistência e teimosia de vários anos, que permitiram o pequeno milagre na frente da casa de seu Danda e Luzia: acerolas, pinhas, flores e um pé de coco são testemunhas que no chão duro podem brotar flores e frutos.
“Aqui não vai mudar nada” muitos diziam perante os sérios problemas das pessoas e da comunidade. Foi muita paciência, muita teimosia e, sobretudo muito amor que permitiram que muitas pessoas mudassem. Talvez o minúsculo sitio, a pequena ilha verde de poucos metros quadrados seja o resumo desta história: o passado duro, queimado, onde o poder público inescrupuloso e o atraso relegaram o povo com sua consciência adormecida mudou e o presente com a mente mais apurada sobretudo de muitos jovens e mulheres, indique um futuro melhor.
Ao perguntar numa ocasião à Zefinha o que tinha mudado no Matão nestes anos, ela colocou o dedo indicador na cabeça e afirmou sem demora: “mudou aqui”.
Em casa religiosamente abri o coco, provei da água que tinha um gosto especial, muito doce como as coisas boas da vida: saborear aquela água, pouca por sinal porque a seca deste ano castigou muito o lugar, foi como beber, delibar e reviver tudo aquilo que o povo consegui nestes anos, alias que conseguimos juntos. O povo tomou consciência das coisas e sabe usar a palavra porque aprendeu a pensar com sua cabeça.
2007: a proteção para as arvores recém plantadas |
2012: "...no chão duro podem brotar flores e frutos" |
A partilha dos alimentos |
Toinha com o marido Severino |
Seu Danda com a esposa Luíza e o netinho |
Zefinha |
povo guerreiro,povo valente que não se encontra nais cidades grandes meus parabémes é minha gente é minha raça .
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