Os sucessivos cortes no orçamento ameaçam a política de regularização de terras quilombolas. Em sete anos, o orçamento do Incra apresentou uma queda de 94%. Para 2017, o órgão dispõe de apenas R$ 4 milhões para encaminhar mais de 1.600 processos de titulação. Em 2010, eram 64 milhões. Este é o menor orçamento para a titulação de terras quilombolas desde 2003, ano em que o órgão reassumiu a responsabilidade por encaminhar a regularização das áreas.
Dados obtidos pela Comissão Pró-Índio junto ao Incra indicam que 09 das 30 Superintendências Regionais do órgão têm verba inferior a R$ 10 mil para a regularização de terras quilombolas esse ano. A SR do Mato Grosso, por exemplo, conta com R$ 6.844,00 para conduzir 73 processos. O menor orçamento é da SR de Alagoas de apenas R$ 3.948,00 para encaminhar 17 processos.
A comunidade quilombola Matão (Gurinhém - PB) é uma das que teve seu processo de titulação paralisado pelo corte de orçamento. |
A Comissão Pró-Índio apurou que a SR do Incra de São Paulo gasta em média 60 mil reais para a elaboração de um relatório (RTID) e 2 anos para finalizá-lo. Nesta SR, há 50 processos abertos e o orçamento disponível para 2017 é de 30 mil reais.
As limitações orçamentárias das Superintendências representam um sério gargalo para a continuidade da maior parte dos processos, já que 87% dos 1.675 processos não tiveram o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) publicado.
Direito inviabilizado
Completamente defasado em relação à demanda, o recurso disponível no Incra acaba por inviabilizar a efetivação a titulação das terras quilombolas, direito essencial para o futuro das comunidades. Assim avalia o procurador da República Luciano Mariz Maia, coordenador da 6ª Câmara do Ministério Público Federal, “O que se vê é uma redução orçamentária que termina por anular um direito fundamental, não se revoga o direito, mas inviabiliza o seu cumprimento efetivo. Trata-se de retrocesso em matéria de direitos humanos que viola, além de vários tratados internacionais, a própria Constituição”.
Os quilombolas também se preocupam. “O corte de orçamento foi muito grande, já com aquele orçamento não titulava, imagina com esse corte imenso então? ”, questiona Hilário Moraes, coordenador regional da Malungu - Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará. “O processo das comunidades do Marajó já completou 13 anos aberto e não temos nem resposta do que aconteceu. Isso tira o sono das pessoas, todos ficam sofrendo e a violência se acirra, já teve morte de quilombola, criminalização dos movimentos que lutam pela terra”, relata Hilário sobre a dramática situação vivida em sua região.
Cleone de Souza Matos, coordenador da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do município de Óbidos (ARQMOB), no oeste do Pará, reforça o sentimento de desesperança: “para a gente o impacto foi grande, teve processo que tínhamos esperanças que seria publicado e que está parado. Sentimos que os funcionários da casa querem fazer, mas sem dinheiro fica muito difícil. Com certeza, é muito desanimador paras comunidades que já enfrentam muitos problemas e pressões”. “O orçamento não impacta apenas as metas desse ano do Incra, mas coloca em cheque o futuro das comunidades quilombolas” alerta Lúcia M. M. de Andrade, coordenadora da Comissão Pró-Índio de São Paulo. “A insegurança para as comunidades quilombolas é enorme. O artigo 68 da ADCT da Constituição Federal está sendo inviabilizado”, complementa.
Até hoje, quase 30 anos após a Constituição de 1988 garantir o direito dos quilombolas à propriedade de seus territórios, o governo federal titulou somente 37 terras, sendo que 11 delas apenas parcialmente. Em 2016, apenas Tabacaria (AL) foi titulada, e em 2017 uma terra recebeu título até o momento – Invernada dos Negros (SC), em janeiro. O total de 168 terras quilombolas tituladas hoje no Brasil foi garantido em grande parte pelas regularizações realizadas pelos governos estaduais.
Cenário nacional - cortes nas políticas sociais
A regularização de terras quilombolas não é a única política social inviabilizada pelos cortes orçamentários. No final de março, o governo Temer anunciou um corte de R$ 42,1 bilhões no orçamento público federal, afetando gravemente o Ministério do Meio Ambiente e a Fundação Nacional do Índio (Funai). O recurso disponível para os dois órgãos em 2017 foi cortado pela metade.
Alessandra Cardoso, assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) alerta que “Além do corte de orçamento, MMA, Funai e Incra passaram por cortes graves de pessoal que impactam diretamente a capacidade do governo de cumprir e executar suas políticas”. O resultado, na avaliação do Inesc, é um aumento nas violações de direitos e acentuação das desigualdades.
Fonte: Comissão Pro Índio São Paulo http://comissaoproindio.blogspot.com.br/2017/06/direitos-ameacados-orcamento-do-incra.html
Matéria e entrevistas: Bianca Pyl Pesquisa e edição: Otávio Penteado
Os dados aqui apresentados são resultado do programa de monitoramento “Comunidades Quilombolas e Direitos Territoriais” desenvolvido pela Comissão Pró-Índio de São Paulo com o apoio financeiro de Christian Aid e Fastenopfer.
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