terça-feira, 20 de junho de 2017

A chuva generosa - por Luís Zadra

Na medida em que adentrava nas estradas de terra dos quilombos, lá pelos meados de maio, um tormento tomava conta de mim ao me deparar com muitos plantios de feijão, milho, favas etc. que imploravam por chuva. As plantinhas estavam murchando por causa da seca e com elas a esperança de uma boa colheita.
Quatro anos seguidos de seca que estava novamente se perpetuando neste nordeste onde o fenômeno das grandes secas recorrentes sempre obrigou o nordestino a se tornar retirante para não morrer de fome.
O ano passado o quilombo Grilo, logo depois da conquista da terra em março, quis desafiar a seca plantando mais de quarenta hectares de terra depois de umas chuvas promissoras. Amigos dos quilombos ajudaram nesta tarefa. Tudo perdido: só colheram poucos quilos de feijão. Mas valeu a pena tentar porque permitiu aos quilombolas se sentir donos da própria terra, conquistada depois de anos de luta. Este ano se animaram e plantaram por conta própria mais terra ainda. Mas...finalmente chegou a tão esperada chuva, abundante e generosa e os plantios que já começavam a se perder renasceram com um verde intenso.
Afaga a alma ver tudo verdejante, a terra molhada. Estou muito agarrado a terra, ao destino deste povo que demasiadas vezes fica agarrado por um fio a vida. Dependem exclusivamente dos ritmos do tempo. Este ano vai ser farta a colheita.
Do alto do Grilo deixei que meu olhar espraiasse demoradamente pelos morros e baixios abaixo, contemplando os roçados cultivados que de vermelhos que eram se tingiram de verde. Respiro aliviado, profundamente, pensando na alegria dos camponeses. Mais uma vez experimentei a generosidade das pessoas genuínas que sabem agradecer sem dizer uma palavra, por meio do presente dos primeiros frutos: feijão verde, milho, jerimum que ao retorno carrego no carro.
Não tem dinheiro que pague esta sensação única do contato com os elementos primordiais do mundo: a terra, a chuva, as sementes e o fruto do trabalho das mãos. Quantas vezes afundei na terra molhada as mãos e pês para experimentar seu abraço materno.
Neste momento tão desanimador do nosso pais Brasil onde as esperanças se perdem no horizonte, é preciso se agarrar aos pequenos sinais de vida. Sentar numa tora de pau junto com os lavradores para ver seus sorrisos, a satisfação...é uma experiência única. O milagre da chuva que fecunda a terra e renova as esperanças. Vai ter fartura de milho nas próximas festas juninas e a festa será bonita e gostosa como as espigas de milho cozido ou assado na brasa.
Aqui a vida de lavrador é sempre um recomeçar; “amanhã será melhor é a frase que mais corre nos lábios deste povo teimoso em viver.

para assistir ao vídeo clicar na imagem

Um comentário:

  1. beleza pura! a vida não pode abdicar de suas estruturas mais primárias e essenciais. O milagre da vida, a comunhão dos elementos e o reprocessamento dos caminhos que dão continuidade à ela em seu caminho para o esclarecimento.

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