quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Novas oportunidades para os quilombolas de Pedra d'Água no projeto de cultivo de algodão orgânico na região

Cidade da Paraíba comemora a retomada do algodão em escala industrial 



O município de Ingá, a 101 km de João Pessoa, convida associações de agricultores, instituições públicas e privadas, imprensa e clientes para o “Dia de Campo”, no dia 12 de setembro. 

Enraizado na Caatinga, com baixo índice de chuvas, Ingá está colhendo algodão com alta produtividade. O algodão orgânico cultivado pela agricultura familiar e pelas comunidades quilombolas alcança 1200 quilos por hectare. Plantado com contrato de compra garantida com tecelagens e confecções tem atraído novos agricultores saindo de 5 para 46 hectares em apenas um ano. “A retomada da produção em Ingá é um resgate cultural e histórico. Vamos colocar a cidade de volta no mapa do algodão do país”, anuncia Robério Lopes Burity, prefeito da cidade. 

Na década de 1940 Ingá era o segundo maior produtor de algodão do Brasil. Denominado ‘Ouro branco’ trouxe prosperidade, mas também dissabor. “Nos anos 80, com a praga do bicudo, todos perderam tudo, do fazendeiro ao trabalhador do roçado, sem distinção. Uma tragédia. O algodão foi praticamente extinto. Sem perspectiva de futuro, grande parte dos agricultores foi embora”, relembra Severino Vicente, 70 anos, conhecido como Biu. 

Biu desistiu do algodão em 1983, no entanto, hoje, como Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar, tem a missão de convencer os vizinhos a plantar. Para isso, enfrentou o próprio trauma servindo como exemplo. “Confesso que estava receoso. Plantei somente 5 hectares, mas tive uma ótima safra e ganhei dinheiro. Este ano, já estamos em 46 hectares. Das 43 famílias associadas, 38 já vão colher algodão orgânico em setembro, inclusive a minha família”, comemora. 

Com novas perspectivas, o campo vem atraindo mulheres e jovens. Em 2021, havia apenas uma mulher no campo, este ano já são 17. A produção em Ingá envolve as comunidades de Pedra D'água, Distrito de Pontina, Sítio Pontina, Sítio Cutias, Fazenda São Paulo, Sítio Cururu, Fazenda Umatai, Sítio Pedra Lavrada e Sítio Piaba. Todos os trabalhadores são capacitados para a agricultura inovadora e agroecológica pela Empresa Paraibana de Pesquisa Extensão Rural e Regularização Fundiária – Emater. Desta forma, eles aprenderam que é possível enfrentar e vencer o bicudo sem usar veneno. 

Os envolvidos no projeto têm como objetivo conseguir suporte do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) que apoia mini e pequenos agricultores de algodão em modalidade de financiamento e custeio associado ou isolado. As conversas estão avançando. No momento, o BNB já apoia o Dia do Campo, “principalmente pelo fato do algodão ter sido atividade pujante e tradicional em passado recente na região, além do forte apoio que a gestão pública do município de Ingá está proporcionando aos participantes da cooperativa”, justifica Nazareno Nascimento Félix, agente de desenvolvimento do BNB. 

Algodão orgânico e a sustentabilidade local 

De acordo com a Textile Exchange, menos de 1% da safra de algodão no Brasil é orgânico. O algodão da Paraíba, além do valor agregado pela certificação, tem produção orientada pelos princípios da sustentabilidade ambiental, social e econômica. O trabalho tem como guia os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da agenda 2030 da ONU, cujas metas envolvem erradicação da pobreza, boa saúde e bem estar, cidades e comunidades sustentáveis, entre outras. Como consequência, o valor pago ao agricultor pelo quilo do algodão é o maior do país. 

O cultivo é consorciado com milho, feijão e fava. Além de funcionar como barreira de proteção, faz parte da estratégia da segurança alimentar. “Se chover muito, perde o feijão e o milho. Se não chover quase nada, perde a fava. De qualquer forma, o algodão floresce e tem fibra. E com o dinheiro da colheita podemos sustentar a família”, diz Biu. 

O arranjo produtivo do algodão em Ingá é cultivado com contrato de compra garantida. Por isso, toda a safra já está vendida para tecelagens e confecções da Paraíba e de outros Estados. O processo chamou a atenção da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) que veio em comitiva para o Dia de Campo por meio do projeto +Algodão. Trata-se de uma iniciativa executada pela FAO que reúne o governo do Brasil, representado pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE) com instituições como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e os países parceiros no âmbito do Programa de Cooperação Internacional Brasil-FAO. 

“Constatamos em Ingá uma ótima qualidade técnica do algodão. A iniciativa do prefeito ao propor o ‘Dia de Campo’ é uma novidade porque agrega agentes do setor público e do setor privado e uma oportunidade de apresentar para os outros municípios da região novas soluções. Valorizamos, sobretudo, os que levam o algodão do pequeno produtor para o mundo por meio de pesquisas que geram novos tecidos e produtos de moda agregando ainda mais valor ao algodão. Nós estamos levando esse conhecimento e esta experiência para outros países da América Latina”, declarou Adriana Gregorin, coordenadora regional do projeto +Algodão. 

Uma indústria para transformar a cidade 

A meta da Prefeitura da cidade é tornar Ingá referência brasileira em algodão orgânico. As ruínas da antiga fábrica têxtil de 10.000m² já foi desapropriada pela prefeitura. A ideia é beneficiar aproveitando todos os subprodutos do algodão. Com a descaroçadeira, o caroço é separado da pluma algodão. A pluma é destinada aos compradores da indústria têxtil. Com a prensa, o óleo de algodão orgânico poderá ser vendido para a indústria cosmética. O resíduo após prensagem pode se tornar ração animal. A ideia é que tudo esteja pronto em dois anos. A fábrica será arrendada por dez anos e gerida pela Cooperativa dos Cotonicultores (Itacoop). O gestor da cidade revela que aguarda a análise do projeto Cooperar, da Secretaria da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento do Semiárido (Seafds), para a saída do segundo galpão, para a etapa do óleo. “Planejamos desta forma restaurar a nossa história e promover a independência dos agricultores, com geração de emprego e renda, fomentando a economia da região, tendo em vista que a cidade de Ingá é um município pólo”, diz Burity. 

Outra iniciativa é gerar valor para o artesanato típico da região. O projeto “Labirinto de Ingá” reúne mulheres em novos caminhos para a técnica artesanal, que estava em decadência na região pelo baixo valor de venda. Reunidas em associação, já estão produzindo para confecções. O “Dia do Campo” inclui a apresentação de produtos indicando um futuro para o labirinto na Indústria Criativa da Moda. “O projeto ‘Labirinto de Ingá’ aproxima as mulheres das áreas rurais que moram distantes uma das outras. Isso fortalece o senso de comunidade e de colaboração entre elas”, justifica Burity, indicando que está atento a outra meta da ODS: realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos econômicos. 

O Dia de Campo realizado pela Prefeitura de Ingá tem apoio do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae Paraíba), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai Paraíba), Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer), e Secretaria de Estado da Agricultura Familiar e Desenvolvimento do Semiárido (SEAFDS). 

DIA DE CAMPO EM 12 DE SETEMBRO LOCAL: Ingá – Paraíba 

Contato para entrevistas: 









O prefeito de Ingá, Robério Lopes Burity, com alguns agricultores

 
O galpão

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Censo 2022: IBGE já recenseou 386.750 quilombolas

Por Maryellen Crisóstomo 

Esse é o primeiro dado oficial sobre a demografia quilombola no Brasil. 
Bahia, Maranhão e Pará representam 61,15% do total de pessoas quilombolas recenseadas até 29/08.


Pela primeira vez em 150 anos o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) está realizando o recenseamento da população quilombola como grupo étnico populacional. Nos primeiros 29 dias de coleta de dados o IBGE conseguiu recensear 386.750 pessoas que se autodeclaram quilombolas. 

O Censo iniciou no dia 01 de agosto e se estende até 31 de outubro. Para o coordenador executivo da CONAQ, Antônio Crioulo, o resultado é positivo. “Uma conquista muito importante que visibiliza as comunidades quilombolas, mas, precisamos intensificar o processo de mobilização para não deixar nenhum quilombola fora do Censo”, pondera. 

Até o momento os Estados com maior número de pessoas quilombolas contadas são Bahia com 116.437 quilombolas, Maranhão com 77.683 e Pará com 42.439. Esses números correspondem a 61,15% do número total apresentado no primeiro balanço parcial do Censo Demográfico 2022, apresentado pelo IBGE no último dia 30 de agosto. 

A consolidação do Censo Demográfico em localidades quilombolas se deu a partir da demanda da CONAQ junto ao Estado Brasileiro por meio do IBGE com a mediação do Fundo de Populações da Nações Unidas (UNFPA/Brasil), atendendo aos critérios da Consulta Prévia, Livre e Informada da Convenção 169 da OIT. Em 2019 o IBGE mapeou 5.972 localidades quilombolas em 1.674 municípios de 24 Estados. Nessas localidades as pessoas terão a oportunidade de responder ao questionário completo sobre o quesito quilombola. Nas outras áreas, ao receber o recenseador, as pessoas quilombolas podem informar o nome da sua comunidade de origem. 


Se você tem dúvidas sobre o processo de recenseamento acesse a live em que a CONAQ e o IBGE trazem explicações que ampliam o entendimento sobre o Censo Demográfico em localidades quilombolas, disponível no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=bVs0aAvnQ_Q


quarta-feira, 31 de agosto de 2022

É festa no quilombo Grilo: festa de formatura e de cidadania por Luis Zadra


Chego no quilombo lá pelas cinco da tarde e posso presenciar os preparativos do evento: na cozinha, Maurina e Gracilene junto com outras companheiras estão preparando panquecas recheadas, arroz e verduras. O bolo já está prontinho na mesa, bolo a vontade. 
O salão do pequeno centro comunitário se tornou lugar de recepção como manda o figurino: cortinas, enfeites, mesas e cadeiras de gala. Festa anunciada há meses pela formatura de Roseane, Simone e Aline. Escolheram o seu quilombo para celebrar esta solenidade, escolha acertada e merecida para este lugar que sempre foi esquecido. Aqui hoje mais uma vez está se afirmando a dignidade e a vida comunitária do quilombo, família alargada onde a maioria das pessoas é emparentada. 
Devagar chegam os convidados de fora, mas sobretudo as famílias das formandas que abrilhantam o momento com os melhores trajes dando um ar de solenidade ao momento. Afinal é a primeira vez que acontece uma coisa desta no quilombo. 
Foi escolha das formandas que muito agradou à comunidade. A cerimônia começa com o merecido atraso das grandes solenidades e tudo se desenrola como manda o cerimonial conduzido por Eduardo, presidente da associação que mostra firmeza e tranquilidade. Eu fico no meu cantinho emprazerado por assistir a uma coisa tão bela, deles e para eles. 
É claro, imitando um pouco o cerimonial de várias festividades que presenciaram ao longo do tempo, mas tudo sem afetação, com muita alegria e sotaque quilombola. Emoção acompanha a história de cada formanda: relato de resiliência, dificuldades, angústia pelo desafio de cursar pedagogia na universidade, mas enfim, estão ai em seus vestidos longos azuis, penteado caprichado e exibindo segurança e esbanjando simpatia. Moças negras, representantes dum quilombo que está encontrando seu lugar ao sol: reconhecimento oficial pelo governo federal, conquista da terra, várias políticas públicas implantadas na comunidade, reconhecimento das autoridades locais, tudo que um quilombo deseja e merece. 
Meu deus, como é bonito e grande este momento que coroa anos de luta coletiva. Tudo é lembrado e até dramatizado. A fala dos adultos lembra a história antiga e recente. O destaque é dona Dora, a matriarca do outrora povoado Grilo e agora quilombo a todos os efeitos, agarrado num lajedo em cima da serra, esta mulher que foi professora, artesã de louças, parteira e lavradora com calos nas mãos. Figura símbolo da resistência quilombola. 
“Loia” (Elias) faz questão de salientar como “descobrimos a liberdade, nós que vivíamos sem ela até faz poucos anos”. “Paquinha” (Leonilda) lembra que os que acompanharam a caminhada da comunidade “nos ajudaram a tirar o medo” e Gracilene que afirma como “moças negras conseguiram vencer na vida” com orgulho da própria cor e da própria comunidade quilombola. Tudo na maior harmonia e solenidade até no momento de servir a janta e o bolo, onde quatro quilombolas negros retintos em traje de garçom com gravata de borboleta se destrincham no meio das mesas apertadas. Esta não é só uma festa de formatura, é uma festa de afirmação da dignidade. 




Meu coração pula de alegria e o Alberto tirando fotografias e filmando tudo para que nada se perca deste momento. Mas o melhor retrato é o que fica na memória do povo quilombola que do alto do rochedo do Grilo pode olhar com orgulho as quatro cidades que estão abaixo: Campina Grande, Riachão de Bacamarte, Ingá e Serra Redonda. Valeu a pena acreditar neste povo e partilhar de sua vida. Os adultos fizeram questão de agradecer quantos de fora os apoiaram. O que vale mesmo é o caminho que eles estão fazendo: nós ajudamos a caminhar. 

Luis Zadra - AACADE










sábado, 6 de agosto de 2022

Pela primeira vez a população quilombola será incluída no Censo 2022

O Censo 2022 está em campo para contar, pela primeira vez, a população quilombola. 


Todas as comunidades quilombolas e outro endereços com presença de quilombolas foram pré-mapeados pelo IBGE. As pessoas residentes nessas áreas poderão responder a pergunta “Você se considera quilombola”? e informar o nome da sua comunidade. 

A maior parte da população quilombola vai se declarar por meio desta pergunta, mas, em algumas situações, principalmente aquelas de quilombolas residindo fora das comunidades, seus locais de moradia podem não ter sido identificados anteriormente. 

Não se preocupe! Nesses casos, o recenseador estará treinado para realizar o cadastro do seu endereço como um domicílio quilombola, informando que naquela localidade existem pessoas quilombolas e elas serão consideradas no levantamento. 

Então, se o recenseador disser que não é possível registrar a pessoa como quilombola, solicite a inclusão, no cadastro do seu endereço, da informação sobre a localidade quilombola. Esse é um direito de todos os quilombolas. 

Abra a porta para o Censo Demográfico 2022!

quarta-feira, 1 de junho de 2022

Turismo de vivências e experiências no quilombo Caiana dos Crioulos

Esse é o vídeo do “Vivenciando Caiana”, um evento realizado pela Comunidade Quilombola “Caiana dos Crioulos”, que fica na Zona Rural de Alagoa Grande, Brejo Paraibano. 

Para assistir ao vídeo clicar na imagem

O "Vivenciando Caiana" é um evento pensado e realizado de forma coletiva pela nossa Comunidade Caiana dos Crioulos, para os turistas vivenciarem a cultura do nosso quilombo e celebrarem um dia diferente junto com a comunidade e toda a sua pluralidade étnica e sua diversidade cultural e gastronômica. Esse é o chamado Turismo Étnico ou afroturismo, onde a riqueza cultural da comunidade é preservada como forma de manutenção do grupo, e com isso, se torna um potencializador para a atividade turística no território. 

Além da cultura, durante o “Vivenciando Caiana” o turista poderá conhecer a gastronomia quilombola preparada pela presidente da Associação das Mulheres Negras de Caiana, Elza Silva, mais conhecida como Elza de Caiana, que elabora um cardápio feito pelas mãos das mulheres quilombolas. Dessa forma, os turistas também podem se deliciar com os sabores do quilombo. 

Agende seu grupo e venha vivenciar Caiana! 

Pacote incluí: - Trilhas ecológicas - Roda de diálogo - apresentações culturais com Coco de Roda, Ciranda, Capoeira e Dança - Almoço 
OBS: Grupo mínimo de 15 pessoas 
Reservas: (83) 9.9128-4205 9.9863-9015 9.9885-1533

Qual o caminho da titulação de terras quilombolas no Brasil?

A regularização fundiária é marcada por um rito longo, burocrático e que depende muito da vontade política; Governo Bolsonaro teve a menor quantidade de movimentações nos processos de titulação desde início da série histórica em 2005 

Texto: Fernanda Rosário | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Marcello Casal Jr./ Agência Brasil

Foto de mulher quilombola na janela de uma casa

A titulação e o reconhecimento de territórios quilombolas é fundamental para o processo de garantia de direitos às comunidades tradicionais. Segundo o antropólogo e quilombola pernambucano Antônio Crioulo, a comunidade não existe sem o seu território. 

“O quilombola precisa do território para garantir a sua vivência, a sua produção de alimento e para sua reprodução física e espiritual. O território para a gente é nossa vida”, afirma Crioulo, também coordenador executivo da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). 

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 68, assegura o direito aos remanescentes das comunidades quilombolas, que estejam ocupando suas terras, à propriedade definitiva de seus territórios. Além disso, a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) também garante o direito fundiário dos povos originários a suas terras. Entretanto, o processo pela garantia desse direito no Brasil não é simples e ainda depende muito de uma movimentação e luta das próprias comunidades. “Quanto mais demora o processo de regularização fundiária de uma comunidade quilombola, os conflitos aumentam, como as ameaças aos nossos territórios, os assassinatos de lideranças e os conflitos nas comunidades”, explica o antropólogo Antônio. 

Quais são as etapas de regularização fundiária para quilombolas? 

O processo de posse definitiva das terras para as comunidades quilombolas passa por diferentes fases: autorreconhecimento, certificação e processo de titulação. A primeira etapa, de acordo com Antônio Crioulo, é a comunidade quilombola fazer um processo interno de fortalecimento de seu autoreconhecimento como remanescente de quilombo. 

“Após esse processo de fortalecimento da identidade, da construção coletiva e do resgate histórico, a próxima etapa é entrar com um processo de formalização, que é solicitar à Fundação Cultural Palmares (FCP) um certificado. O papel da certificação é apenas de reconhecer que há todo um processo histórico de vivência e de construção de um povo que é ancestral naquele local”, explica o antropólogo. 

De acordo com o site da Palmares, três documentos são exigidos para a emissão do certificado de autorreconhecimento emitido pelo órgão. São eles: ata de reunião específica para tratar do tema de autodeclaração ou ata de assembleia, se a associação já estiver formalizada, seguida da assinatura da maioria de seus membros; breve relato histórico da comunidade (formação, troncos familiares, manifestações culturais); e um requerimento de certificação endereçado à presidência do órgão. Além disso, outros documentos podem ser agregados, a critério da comunidade solicitante, como fotos, registros de nascimento e óbito, títulos de propriedade ou posse, pesquisas e reportagens. 

Titulação garante futuro A regularização do território garante a retirada de não-quilombolas e intrusos | Crédito: Carlos Penteado/ Comissão Pró-Índio 

É função também da FCP dar suporte para que a comunidade siga para a próxima etapa do processo de titulação, que é adquirir o documento definitivo de posse da terra, titulação emitida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). 

O Incra é o órgão responsável pelo levantamento territorial e estudos antropológicos e históricos, para a demarcação da área a ser titulada. De acordo com informações disponibilizadas no site da Palmares, para que o processo de titulação tenha início, as comunidades interessadas devem entrar em contato com a Superintendência Regional do Incra do seu estado. 

Assim, o órgão pode iniciar o estudo destinado à produção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território. O RTID aborda informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas, históricas e antropológicas, obtidas em campo e junto a instituições públicas e privadas, para identificar e delimitar o território quilombola reivindicado pela comunidade. 

Após os estudos técnicos, é publicado edital no Diário Oficial da União e no Diário Oficial do Estado contendo informações gerais do processo. A partir disso, abre-se um prazo de 90 dias para apresentação de contestação ao RTID. Após fase de julgamento de contestações, recursos e conciliação de interesses públicos, é publicada a portaria de reconhecimento, encerrando a etapa de identificação dos limites do território. 

“Há todo um rito até que se chegue ao final do processo, que é a desintrusão, onde há pagamento aos intrusos do território para que a área seja finalmente titulada e os quilombolas tenham direitos aos seus territórios”, explica Crioulo. 

De acordo com infográfico disponibilizado pelo Incra, o decreto de desapropriação ocorre nos casos em que há imóveis privados no território delimitado, fase importante para retirada dos não-quilombolas da área. Por fim e após o extenso rito para a regularização, é concedido o título de propriedade, que é coletivo, inalienável e em nome da associação dos moradores da área. 

O Incra não é o único órgão responsável pela titulação 

“Nós temos diversos estados que têm legislação própria para a titulação de território quilombola”, explica o quilombola capixaba Arilson Ventura, também coordenador nacional do Conaq. 

Quilombolas dançam em seu território Além do Incra, existem estados com legislações para titulação de quilombos | Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil 

De acordo com informações disponibilizadas pelo Incra, cabe à autarquia titular os territórios quilombolas localizados em terras públicas federais ou em áreas particulares, com a presença de não-quilombolas. Entretanto, além do INCRA, a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) também é responsável por expedir título ou Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) às comunidades quilombolas. 

Também há estados que possuem leis específicas para regularizar os territórios quilombolas, que se localizam em terras de domínio estaduais. Conforme identificou a Comissão Pró-Índio de São Paulo, cinco Estados - Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso e Pará - têm em suas constituições a propriedade dos quilombolas sobre suas terras como direito. 

Outros dez estados - Amapá, Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Pará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo - reconhecem esse direito em legislação infraconstitucional. O coordenador executivo da Conaq Antônio Crioulo também lembra que Pernambuco tem uma legislação própria sobre o assunto. 

De acordo com Vercilene Dias, coordenadora jurídica da Conaq, geralmente as legislações estaduais acabam agilizando mais o processo de regularização, o que depende também dos governos vigentes. “Tanto a União como os estados têm competência na Constituição para fazer a regularização de territórios quilombolas. Se a União não faz, cabe aos estados fazerem. Mas isso depende da vontade política de cada estado e das comunidades que continuam sempre pressionando os órgãos”, destaca a coordenadora jurídica da Conaq. 

Ainda segundo Vercilene, em muitos casos há a titulação parcial dos territórios, quando títulos vão sendo expedidos aos poucos e em partes específicas do território. A assessora jurídica da Terra de Direitos Gabriele Gonçalves também explica que cada estado tem um órgão específico para a regularização fundiária. 

No Pará, por exemplo, há o Instituto de Terras do Pará (Iterpa). “Cada órgão tem uma instrução normativa a ser seguida. E essa instrução normativa também possibilita a atuação em conjunto por meio de parceria com o Incra”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos. 

Situação atual da regularização de territórios quilombolas 

Disputas e conflitos territoriais, além da burocracia e vontade política, são alguns dos motivos apontados por especialistas para o excesso de lentidão nos processos de regularização de terras quilombolas, que se tornaram ainda mais lentos nos últimos anos. 

“Os únicos títulos que foram emitidos no governo Bolsonaro foram por meio de decisões por meio de Ação Civil Pública. Não houve nenhuma titulação que o Incra fez nesse período que não foi por causa de determinação judicial”, afirma a coordenadora jurídica da Conaq Vercilene Dias. 

De acordo com o estudo “Direito à terra quilombola em risco”, publicado em abril de 2021 pelo projeto Achados e Pedidos, o total de movimentações de ações de titulação no governo Bolsonaro, considerando todas as fases do processo de regularização, é o menor desde o início da série histórica, em 2005. Segundo o relatório, os picos de titulações no período de 2004 a 2020 foram observados em 2014 e 2015, durante o governo de Dilma Rousseff, com sete em cada ano, entre títulos integrais e parciais. 

Os menores números do período são observados nos anos de 2019 e 2020 - os primeiros do governo Jair Bolsonaro - com duas e uma titulação, respectivamente. A última referindo-se ao Quilombo Rio dos Macacos (BA), que encerrou uma disputa de mais de 40 anos com a Marinha pela posse das terras.


Gráfico sobre terras tituladas Territórios quilombolas titulados por governo com dados de 22/02/2021 | Crédito: Reprodução/ Achados e Pedidos 

“Considerando todas as fases de reconhecimento de um território quilombola, o total de movimentações em processos de titulação caiu 71% no primeiro ano do governo Bolsonaro na comparação com o ano anterior - foram 45 movimentações em 2018 contra apenas 13 em 2019. Em 2020, a queda foi de 69%, com apenas quatro movimentações. Desde o início da série histórica, em 2005, essa é a menor quantidade de movimentações nos processos de titulação”, explica o estudo. 

“Nessa gestão que nós estamos no governo federal, não avançamos praticamente nada no quesito certificação e titulação de terras quilombolas. Existe o organismo no governo, mas não tem recurso nele para fazer o processo e poder trabalhar as questões”, destaca o quilombola e coordenador nacional da Conaq Arilson Ventura. 

Segundo os profissionais e quilombolas entrevistados pela Alma Preta Jornalismo, a situação só tende a se agravar diante do recente ofício interno do Incra do dia 13 de maio que suspende, por falta de verbas, atividades técnicas como fiscalizações, vistorias e supervisões, além de atividades que envolvem deslocamentos e diários. 

Em nota, o Incra destacou que a continuidade dos trabalhos referentes à regularização de territórios quilombolas não sofreu impacto em função do Ofício Circular nº 731, expedido pela presidência do Incra, uma vez que as suspensões tratadas no documento dizem respeito a outras atividades realizadas pela autarquia. Entretanto, segundo a assessora jurídica Gabriele Gonçalves, há um impacto direto, porque inviabiliza a conclusão do processo de titulação. 

Esse desmonte da política pública tem funcionado como um pacote de violação dos direitos humanos da comunidade e essa paralisação das atividades tem funcionado até como proteção para os crimes que acontecem em relação ao território”, pontua. “O ofício também formalizou o que já não vinha acontecendo. A gente chegou em um momento que comunidades já tiveram que buscar antropólogos e os técnicos do Incra para fazer visita à comunidade, porque não tinha dinheiro nem para combustível”, ressalta Antônio Crioulo. 

De 1995 até hoje, foram titulados totalmente 144 terras quilombolas e 54 territórios parcialmente, segundo o “Observatório Terras Quilombolas”, da Comissão Pró-Índio de São Paulo. Segundo estimativa do IBGE, existem no Brasil 5.972 localidades quilombolas.

quinta-feira, 19 de maio de 2022

Coletivo de Educação da CONAQ lança Curso de Formação de Professoras e Professores Quilombolas

Coletivo de Educação da CONAQ lança Curso de Formação de Professoras e Professores Quilombolas 


As inscrições acabam de ser abertas e são feitas no site da CONAQ. A oportunidade de aprender mais sobre o tema é para educadoras/res, estudantes de todas as modalidades de ensino e pessoas interessadas na educação quilombola. 

O objetivo da formação é fortalecer e viabilizar a educação escolar quilombola, já que a falta de investimento na área acaba refletindo dentro das salas de aula e no processo de aprendizado de quilombolas em todo o Brasil. A aula inaugural será nesta sexta-feira (20), com Givânia Silva e Antônio Bispo dos Santos (arrasta pro lado) 


O curso é apoiado pelo Edital Equidade Racial na Educação do CEERT. 

Acesse o site da CONAQ, fique por dentro de todas as informações e inscreva-se. ➡️ http://conaq.org.br/noticias/coletivo-de-educacao-da-conaq-lanca-curso-de-formacao-para-professoras-es-e-estudantes-quilombolas/