O salão do pequeno centro comunitário se tornou lugar de recepção como manda o figurino: cortinas, enfeites, mesas e cadeiras de gala. Festa anunciada há meses pela formatura de Roseane, Simone e Aline. Escolheram o seu quilombo para celebrar esta solenidade, escolha acertada e merecida para este lugar que sempre foi esquecido. Aqui hoje mais uma vez está se afirmando a dignidade e a vida comunitária do quilombo, família alargada onde a maioria das pessoas é emparentada.
Devagar chegam os convidados de fora, mas sobretudo as famílias das formandas que abrilhantam o momento com os melhores trajes dando um ar de solenidade ao momento. Afinal é a primeira vez que acontece uma coisa desta no quilombo.
Foi escolha das formandas que muito agradou à comunidade. A cerimônia começa com o merecido atraso das grandes solenidades e tudo se desenrola como manda o cerimonial conduzido por Eduardo, presidente da associação que mostra firmeza e tranquilidade. Eu fico no meu cantinho emprazerado por assistir a uma coisa tão bela, deles e para eles.
É claro, imitando um pouco o cerimonial de várias festividades que presenciaram ao longo do tempo, mas tudo sem afetação, com muita alegria e sotaque quilombola. Emoção acompanha a história de cada formanda: relato de resiliência, dificuldades, angústia pelo desafio de cursar pedagogia na universidade, mas enfim, estão ai em seus vestidos longos azuis, penteado caprichado e exibindo segurança e esbanjando simpatia. Moças negras, representantes dum quilombo que está encontrando seu lugar ao sol: reconhecimento oficial pelo governo federal, conquista da terra, várias políticas públicas implantadas na comunidade, reconhecimento das autoridades locais, tudo que um quilombo deseja e merece.
Meu deus, como é bonito e grande este momento que coroa anos de luta coletiva. Tudo é lembrado e até dramatizado. A fala dos adultos lembra a história antiga e recente. O destaque é dona Dora, a matriarca do outrora povoado Grilo e agora quilombo a todos os efeitos, agarrado num lajedo em cima da serra, esta mulher que foi professora, artesã de louças, parteira e lavradora com calos nas mãos. Figura símbolo da resistência quilombola.
“Loia” (Elias) faz questão de salientar como “descobrimos a liberdade, nós que vivíamos sem ela até faz poucos anos”. “Paquinha” (Leonilda) lembra que os que acompanharam a caminhada da comunidade “nos ajudaram a tirar o medo” e Gracilene que afirma como “moças negras conseguiram vencer na vida” com orgulho da própria cor e da própria comunidade quilombola. Tudo na maior harmonia e solenidade até no momento de servir a janta e o bolo, onde quatro quilombolas negros retintos em traje de garçom com gravata de borboleta se destrincham no meio das mesas apertadas. Esta não é só uma festa de formatura, é uma festa de afirmação da dignidade.
Meu coração pula de alegria e o Alberto tirando fotografias e filmando tudo para que nada se perca deste momento. Mas o melhor retrato é o que fica na memória do povo quilombola que do alto do rochedo do Grilo pode olhar com orgulho as quatro cidades que estão abaixo: Campina Grande, Riachão de Bacamarte, Ingá e Serra Redonda. Valeu a pena acreditar neste povo e partilhar de sua vida. Os adultos fizeram questão de agradecer quantos de fora os apoiaram. O que vale mesmo é o caminho que eles estão fazendo: nós ajudamos a caminhar.
Luis Zadra - AACADE
Nenhum comentário:
Postar um comentário