Meu sonho era ir para o Brasil, poder me colocar a serviço da causa dos mais pobres do Nordeste. Desde a década de 1968 eu lia autores brasileiros, ouvia música popular brasileira e era informado sobre a situação da ditadura, da tortura e dos direitos humanos sendo pisoteados e negados. Viajei com apenas uma mala, com o essencial, disposto a tudo. Eu já podia me ver no meio do povo, na mata e no campo, sem a menor preocupação com os inconvenientes que poderia enfrentar.
Cheguei ao Rio de Janeiro no dia 17 de janeiro, há cinquenta anos, e pouco tempo depois disse a mim mesmo: vou ficar aqui para sempre. Passadas algumas semanas, eu estava no Maranhão, mergulhando no sertão do Mirador onde, a cavalo, eu nunca tinha montado antes, para acompanhar um colega missionário em visitas as comunidades, fora do mundo, muito pobres, mas profundamente humanas. A memória que ainda está muito viva traz à tona muitas experiências profundas, muitas emoções, encontros, até situações perigosas porque desde o início estive envolvido, e ainda estou, na causa dos sem-terra.
Ser filho de agricultores, muito apegado às minhas raízes, sempre me motivou a lutar. O contato vivo com a injustiça contra os pobres levou-me necessariamente a me envolver na causa. A injustiça, qualquer tipo de injustiça, me toca profundamente. Sempre tive uma grande paixão pela terra, pelas plantas, pelos animais, pela natureza. Eu moro na cidade, mas ao redor da minha casa, espremida ao máximo, tenho uma micro floresta. É a minha terapia.
Com a mesma motivação e o mesmo entusiasmo tive experiências muito diferentes, mantendo a fidelidade ao meu sacerdócio, que sempre vivi como um serviço à causa da vida dos pobres. Paraibano, meu primeiro amor missionário na região pre-amazônica, depois o alto sertão de Tasso Fragoso e o Alto Parnaíba, as favelas de São Luís, também no Maranhão e desde 1996 no estado da Paraíba, dedicado à causa dos direitos humanos dos negros e quilombolas.
Posso dizer que a vida no meio do povo me humanizou, redimensionou e relativizou minhas pretensões culturais, minha visão de mundo e me ajudou a entender o que é essencial.
Vivi esses cinquenta anos intensamente. Passaram de pressa e me carregaram nesta aventura como fiéis companheiros de viagem. Nunca vivi grandes decepções, desânimo, desmotivação. O próximo ano vou completar 80 primaveras, se Deus quiser.: Sinto que aos poucos os anos pesam, mas que venham tantos outros que eu os aceitarei como presente. Às vezes me encontro pensando que não tenho medo se meus dias acabarem cedo. Mas olho para frente com otimismo, rejuvenescendo as motivações, os ideais em que acredito. Muitas coisas, muitas ideias, muitas teologias, joguei ao mar. Fui feliz como padre durante trinta anos e depois decidi deixar o sacerdócio, que sempre considerei um serviço por tempo determinado, para continuar a viver o Evangelho como missionário leigo, no espírito do Comboni, sem vínculos com uma instituição.
Tenho uma família, uma mulher ao meu lado que compartilha alegrias e tristezas comigo, uma pessoa que amo profundamente, que ama profundamente os empobrecidos: temos dois filhos, Joice e Daniel, uma neta, Jade Amara, filha da Joice e Renan que moram conosco, que nos dá muita alegria e muita vida. Conosco mora nossa sogra de 99 anos. Uma família extensa que tem os problemas de todas as famílias.
Sou um leigo casado feliz. "Nunca diga nunca” me lembrou uma pessoa anos atrás; a vida é sempre um dom, um pacote surpresa e você tem que vivê-la como um dom, disposto a mudar, a repensar, a abandonar muitas coisas.
Encontro-me com a mesma motivação do dia da minha partida, mais maduro, mas sempre sonhador e sempre aberto ao novo. Livre e fiel ao Evangelho. Sempre procurei me deixar levar pela mão pela dor, pelo grito e pelas esperanças dos pobres. Me sinto uma pessoa serena, sempre em movimento aberta e normal. Em tudo isso, a figura e experiência de Cristo como exemplo e Mestre, testemunha de um Deus/Amor que hoje vejo como Alma, Sopro, Luz do cosmos onde estamos todos inseridos como partículas, unidos aos astros, à natureza, unidos às pessoas de todas as partes do mundo que sinto parte de mim mesmo.
Amei e ainda amo tanto quanto eu fiz e ainda faço. A causa dos quilombos que abracei com alegria em 2003 como um novo caminho de vida com a Francimar me dá tanto, me motiva porque vejo que ajudamos e continuamos ajudando muitas pessoas a caminhar, favorecendo o entendimento das coisas, a tomar consciência do próprio ser e que por sua vez sempre nos motivaram a seguir em frente.
Desde o início da minha vida no Brasil, sempre tive em mente a imagem do migrante que deixou para trás uma terra, uma família de origem para levar tudo isso numa dimensão muito profunda para enfrentar o novo. Amo minhas montanhas, minha cidadezinha Denno onde nasci, meu povo, meu Vale de Non, minha família de origem, mas sou um cidadão do mundo, porque sinto que tudo me pertence, me diz a respeito. Sempre procurei não ser protagonista, mas parte de um protagonismo coletivo. Autonomia, liberdade, consciência, coragem, solidariedade, partilha... Tudo contido em uma pessoa limitada, mas presente e desafiada pelos acontecimentos.
Sempre me senti acompanhado por muitas pessoas que compartilham dos mesmos ideais e sonhos: estou aqui por elas também, não porque sou o melhor, mas porque me senti chamado. Nunca me incomodou estar no Brasil, pelo contrário, me deu muita alegria. E recordo com muito amor os vários colegas e muitas pessoas queridas que agora continuam vivos/as numa outra dimensão, no grande sopro cósmico e que tanto me ajudaram.
Um enorme obrigado e um grande abraço a todos, amigos e amigas.
Com carinho, Gigetto, Gigi, Luís
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