quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Governo capacita recenseadores para censo quilombola da Paraíba

O Governo do Estado está capacitando os agentes recenseadores para participar do primeiro Censo Quilombola da história da Paraíba, que será iniciado na próxima segunda-feira (3), nas comunidades localizadas no Litoral, Brejo, Agreste e Curimataú. A ação está sendo realizada pela Associação de Apoio às Comunidades Afrodescendentes (AACADE), em parceria com o Projeto Cooperar, por meio do financiamento do Banco Mundial. A iniciativa irá beneficiar aproximadamente 15 mil pessoas de 38 comunidades quilombolas existentes no estado, com o objetivo de identificar os indicadores sociais dessas regiões e traçar programas governamentais de acordo com as necessidades específicas de cada área. “Algumas ações de coleta de dados já haviam sido realizadas anteriormente em determinadas localidades, mas sempre foram feitas através de informações básicas e de relatos das próprias lideranças quilombolas. A partir de agora, essas variáveis sociais e econômicas irão dar o suporte necessário para os programas governamentais traçarem diversos formatos de atuação, em benefício concreto dos moradores locais.”, explicou a secretária executiva da AACADE e coordenadora do Censo Quilombola, Francimar Fernandes. Os 13 recenseadores habilitados para a coleta de dados dessa primeira etapa irão contar com a orientação de um supervisor durante o cronograma de visitas domiciliares. As informações quantitativas e qualitativas irão identificar o número de pessoas que residem nessas áreas específicas, onde elas estão situadas, além dos levantamentos sobre o perfil e a faixa etária da população e dos registros sobre saneamento e infraestrutura. Médio Sertão – De acordo com a programação pré-estabelecida pela direção da AACADE, a coleta de dados na região do Médio Sertão será iniciada nos dias 15 e 16 de dezembro, compondo a segunda fase do processo. O Alto Sertão paraibano será o último segmento territorial a ser visitado, mas a conclusão do Censo está programada para o mês de fevereiro. “Esse processo é extremamente valioso para o setor público e para a sociedade em geral, pois através das informações detalhadas e atualizadas dessas comunidades nós teremos uma radiografia das condições reais dessas populações. Esses dados serão essenciais para construção de um planejamento mais eficaz dos trabalhos a serem desenvolvidos nas comunidades quilombolas do estado”, destacou o gerente executivo da Equidade Racial, da Secretaria da Mulher e da Diversidade Humana da Paraíba, Roberto Silva. 
Fonte: Governo da Paraíba

sábado, 24 de novembro de 2012

20 DE NOVEMBRO: A CONSCIÊNCIA DOS NEGROS de Luis Zadra

Vagarosamente, num passo sofrido carregado de majestade ancestral, seu Domingos, negro da gema, nos seus 84 anos repletos de história, desce a rampa do MAC, o museu de Campina Grande. Era esperada sua presença para dar maior sentido a festa dos quilombos que vieram para comemorar o dia 20 de novembro, dentro da programação da exposição: Quilombos da Paraíba. 
Um pequeno cortejo de parentes e amigos do quilombo Os Rufinos (Pombal) segue o patriarca que abre caminho, segurando no seu cajado, dispensando o apoio de quem queira ajuda-lo. Encurvado pela doença na coluna que lhe reduziu também os movimentos das pernas, - sempre se queixa das pernas que não ajudam o espirito que ainda é forte -,  com a cabeça enfiada num chapéu preto de abas largas - companheiro inseparável como o cajado - só levanta o olhar para admirar a fotografia gigante, porta de entrada da exposição. Sim, o retrato de seu Domingos está exposto na parede, para dizer: estamos aqui, nós os quilombolas. Fez questão de participar da festa embora tudo dissesse que não daria certo. Depois de mais de quatro horas de van chegou esbanjando sorrisos e alegria. Os quilombolas de Barreiras (Coremas) vieram junto com outros amigos, apoiados pela universidade de Cajazeiras que disponibilizou o transporte.

A chegada de Seu Domingos
Seu Domingos e o painel de entrada da exposição
Seu Domingos indicando a foto com as netinhas
Grilo, Matias, Bonfim, Pedra D´Água, Matão, chegaram primeiro e já estão mostrando para que vieram. O branco das paredes do museu salienta a cor negra destes quilombolas que não dispensaram o convite de participar. Zé Pequeno trouxe uns companheiros que agora estão animando os chegantes com forró pé de serra, enquanto dona Lourdes agachada no centro do salão com suas mãos ligeiras da forma a argila que se torna vasilhas e panelas, repetindo e perpetuando a tradição que chegou da mãe África com o povo escravizado. Forma-se uma grande roda e os estudantes que vieram visitar a exposição escutam os testemunhos dos quilombolas e de pessoas que aderiram a causa quilombola. Nada aqui é artificial, tudo corre sem programa porque o que importa agora é deixar vibrar, cantar, falar o povo negro. Talvez não saibam o que signifique festa da consciência negra, mas este povo que antes não falava, que não podia frequentar lugares importantes, que não era valorizado, que para a sociedade não existia, agora se sente a vontade e brilha, como brilham os olhos de Paquinha quando conta com profunda emoção dos seus silêncios passados, seus medos, seus sofrimentos. E dona Lourdes que fala para a televisão. Sim, agora fala, pega no microfone e solta a palavra que sempre lhe foi negada pela sociedade branca. E seu Zé Pequeno não tem hesitação em dizer que os brancos massacraram demais o povo negro e lhe tiraram o direito de viver. Não desgruda do microfone quase para lavar a alma, lembrando e relatando para a juventude presente como foi sua infância e juventude no campo. Este povo quilombola está mudando, ocupando espaços, usando a palavra para afirmar que existe.
Foram anos de encontros, de visitas, de viagens, de tentativas, de superação enfim para o despertar da consciência. Foi ao longo do caminho que aprenderam a andar, para saborear o gosto da liberdade e da autonomia. Nada vem de graça, precisa muito amor para com este povo que quer viver. Muito caminho ainda resta a percorrer para a liberdade ser completa, mas o olhar vai longe e o desejo de dias melhores é bom companheiro.

Zé Pequeno com os companheiros músicos
A roda de conversa
Paquinha com as jornalistas
Dona Lurdes e as suas panelas na televisão
A direção do museu MAC junto com AACADE e o fotografo Alberto, que preparou todo o trabalho fotográfico, estão aqui para apoiar estes heróis, protagonistas de uma nova história que está se reescrevendo na Paraíba como no Brasil. Esta exposição de fato expõe, mostra a vida dos quilombos com suas mazelas, desafios e alegrias, o que mudou e precisa mudar para frente. Não estamos aqui para assistir ou olhar, mas para vivenciar a vida dos quilombos que querem um futuro. E a festa é vibrante ao toque forte do zabumba da Caiana que remonta ao toque dos tambores africanos. A ciranda do Grilo que está renascendo, o coco de roda e a ciranda da Caiana empolgam os visitantes que entram na roda porque o negro não discrimina ninguém. E seu Domingos olhando atento tudo e vibrando na alma porque pela primeira vez talvez esta cepa antiga do povo resistente está ao centro da sena, agora junto ao preto velho dom José Maria Pires que entra na ciranda porque este é o povo onde ele se reconhece e reencontra sua ancestralidade. Muitos jovens e crianças quilombolas estão participando sem receio porque não tem restrições nem limites. O museu por algumas horas se transformou num quilombo colorido e animado, onde a vida fala mais alto do que as conversas acadêmicas sobre quilombos.

Quilombolas visitando a exposição



Alberto com a prof.a Mércia e os seus alunos de antropologia
Dom José Maria Pires na roda da ciranda do Grilo
A ciranda de Caiana dos Crioulos

A capoeira de Matias





sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Mais de 100 quilombolas comemoram o dia da consciência negra em companhia de “Dom Zumbi” de Alberto Banal

A Associação de Apoio às Comunidades Afrodescendentes – AACADE e a Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas – CECNEQ,  com o apoio e a colaboração do MAC Museu Assis Chateaubriand/UEPB, organizaram um encontro com as comunidades quilombolas da Paraíba para comemorar o dia da consciência negra no dia 20 de novembro de 2012.
O evento aconteceu no MAC-Museu Assis Chateaubriand de Campina Grande onde está em andamento a exposição “Quilombos da Paraíba – a realidade de hoje e os desafios para o futuro”, do fotógrafo italiano Alberto Banal e dos 52 alunos quilombolas do projeto Fotógrafos de rua.
O sucesso foi além do esperado: com efeito, conseguiu-se organizar a vinda de cento e dois quilombolas de oito comunidades. Momento forte foi o encontro dos quilombolas com o Arcebispo emérito da Paraíba, Dom José Maria Pires que, vale a pena lembrar, foi o primeiro bispo negro do Brasil.
Mas, vamos seguir a ordem dos fatos, pois que a agenda do dia foi longa e acirrada. Bem cedinho Luis e Francimar, da associação AACADE, foram buscar na comunidade do Grilo, a loçeira dona Lurdes, com sua irmã Paquinha. Chegaram ao museu junto com o carro que estava trazendo os três representantes da comunidade Senhor de Bonfim. Na espera já estavam as jornalistas da União e do Jornal da Paraíba.
“Nem comecei trabalhar que já é pra falar” – afirma dona Lurdes - mas, sem problema nem medo nenhum, se disponibiliza a contar a história sofrida da sua vida. Zezinho, da comunidade Senhor de Bonfim, ressalta que depois de alcançar a posse da terra, tudo mudou: “Agora sim que é vida! Antes a gente só respirava e comia, quando tinha. O restante era sujeição, trabalho escravo”.
Não faz muito tempo, para qualquer quilombola, sem instrução e quase nenhum contato com a sociedade “civil”, era inimaginável enfrentar uma conversa com um estranho, tampouco com um jornalista. “Mas os tempos mudaram, alias a cabeça mudou” – afirma com decisão Paquinha - “agora eu sei o valor de ser negro, tenho orgulho disso, ando e falo de nariz empinado frente a qualquer, fosse mesmo o presidente da republica”.
 
         1. dona Lurdes com as jornalistas  2.dona Lurdes e Paquinha com as jornalistas

 
  1. Zezinho durante a entrevista  2. dona Lurdes gravando para o telejornal
O trabalho de anos de AACADE e CECNEQ, com as comunidades quilombolas está dando seus frutos e é um prazer partilhar juntos estas significativas conquistas.
A chegada, às 11.00 horas, do grupo de capoeira do quilombo Matias (Serra Redonda) enche o adro do museu e a sala expositiva de alegria. A exibição dos jovens capoeiristas envolve imediatamente as duas turmas de estudantes presentes.
Finalmente, depois de uma longa viagem, às 12.00h, o micro ônibus disponibilizado pelo CFP/UFCG de Cajazeiras, desembarca os representantes dos quilombos Negros das Barreiras (Coremas) e Os Rufinos (Pombal). Grande festa e emoção, quando o grupo entra no museu acompanhando Seu Domingos, o patriarca de 84 anos que se tornou ícone da mesma exposição.
Depois do almoço, se forma uma roda atenta ao redor de dona Lurdes e do grupinho dos velhos quilombolas que emocionam os numerosos visitantes com as histórias das suas vidas e das tradições e costumes repassados pelos antepassados. Zé Pequeno, líder do quilombo Negros das Barreiras, lembra aos jovens a importância do estudo para alcançar um futuro melhor.
   
1. Francimar (AACADE) organizando o encontro 2. A fala de Paquinha 3.A fala de Zé Pequeno

Até que conseguiram chegar, às 14.30h, os mais de trinta alunos do projeto Fotógrafos de rua e o grupo da ciranda dos quilombos Grilo, Pedra d’Água e Matão. O ônibus disponibilizado pela UEPB foi pega-los inexplicavelmente com mais de uma hora de atraso e eu estou furioso para o que considero uma falta de respeito, mas os jovens quilombolas nem estão aí, tal é a felicidade e a alegria em se reencontrar com amigos de outras comunidades e partilhar a nova experiência. A força ritmada da batida da zabumba do Grilo empurra o povo a expressar a sua profunda vontade de viver numa roda fervilhante e vibrante.
As 15.30h, o momento mais marcante do dia: o encontro com Dom Zumbi, aliás, Dom José Maria Pires, que ganhou este apelido por causa da sua luta em prol da causa negra. Fui pegar Dom José no aeroporto de Campina Grande onde desembarcou sozinho depois de uma viagem de mais de cinco horas, provindo de Belo Horizonte. Com os seus 93 anos, ele sobe firme a branca rampa que leva ao museu carregando as lembranças do passado e as esperanças do futuro. Entro na sala barulhenta para frente e anuncio a chegada de Dom José. Segundos de silencio e logo em seguida um tsunami de abraços, beijos no rosto, beijos do anel episcopal, de joelhos... cada um a sua maneira, como o coração, a tradição, o costume mandam. Dom José tem um carinho para com todos, que se torna especial com as crianças e os mais idosos. Profundo o abraço recíproco com Seu Domingos. A miudeza de Zé Pequeno se perde na magreza de Dom José. E muitos são os abraços e os beijos de dona Lurdes: “Ele foi à minha casa, comeu na minha mesa!”

    
      1. A chegada de Dom José  2. O abraço de dona L urdes  3.O encontro com Seu Domingos
A fala de Dom José, sem hesitações, firme, fruto de muitos estudos teóricos e na escola da vida é clara e adequada para os ouvintes.
“Estamos recolhendo hoje e aqui os frutos do sangue de Zumbi, símbolo da resistência de nossos antepassados. Eles foram trazidos à força da África para essas terras, arrancados de sua Pátria, separados do seu povo e de sua família, misturados com pretos de outras línguas e de outros costumes. Violentaram-lhes a consciência, impuseram-lhes uma religião que não escolheram... Pretos, meus irmãos! Como nossos antepassados, viemos de vários lugares. Diferente deles e menos puros do que eles, trazemos na pele colorações variadas. Na alma, crenças diferentes. Mas neles e em nós estão presentes e são indeléveis as marcas da negritude. Somos negros e não nos envergonhamos, não queremos mais nos envergonhar de sê-lo. O negro não é inferior a ninguém. Somos todos iguais e a sociedade tem o dever de dar aos negros o que lhe pertence por direito.”
Dom José fala com o coração na mão e o povo entende muito bem a lição de uma vida dedicada inteiramente a defesa dos direitos humanos, especialmente dos negros.


Na volta da ciranda, Dom José entra na roda com passos leves e espertos. E como o povo gostou! Porque nada de exibicionista ou folclórico estava naquele gesto simples e espontâneo. Longe de leituras intelectualóides e forçadas, a gente percebeu o verdadeiro sentido: uma forma especial de comunhão.




E quando a festa parecia estar acabando chegaram as cirandeiras de Caiana dos Crioulos guiadas pela esmagadora e irresistível Cida. Cada passo uma lembrança, cada batida um projeto, cada rodada um sonho, cada letra um grito: viva o povo negro, viva os quilombolas, viva Dom Zumbi.



Luis Zadra, Dom José Maria Pires, Alberto Banal
Dom José com jovens quilombolas do Matão
Dom José com jovens quilombolas do Matão