Vagarosamente, num passo sofrido
carregado de majestade ancestral, seu Domingos, negro da gema, nos seus 84 anos
repletos de história, desce a rampa do MAC, o museu de Campina Grande. Era
esperada sua presença para dar maior sentido a festa dos quilombos que vieram
para comemorar o dia 20 de novembro, dentro da programação da exposição: Quilombos
da Paraíba.
Um pequeno cortejo de parentes e amigos do quilombo Os Rufinos (Pombal) segue o patriarca que abre caminho, segurando no seu cajado, dispensando o apoio de quem queira ajuda-lo. Encurvado pela doença na coluna que lhe reduziu também os movimentos das pernas, - sempre se queixa das pernas que não ajudam o espirito que ainda é forte -, com a cabeça enfiada num chapéu preto de abas largas - companheiro inseparável como o cajado - só levanta o olhar para admirar a fotografia gigante, porta de entrada da exposição. Sim, o retrato de seu Domingos está exposto na parede, para dizer: estamos aqui, nós os quilombolas. Fez questão de participar da festa embora tudo dissesse que não daria certo. Depois de mais de quatro horas de van chegou esbanjando sorrisos e alegria. Os quilombolas de Barreiras (Coremas) vieram junto com outros amigos, apoiados pela universidade de Cajazeiras que disponibilizou o transporte.
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A chegada de Seu Domingos |
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Seu Domingos e o painel de entrada da exposição |
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Seu Domingos indicando a foto com as netinhas |
Grilo, Matias, Bonfim, Pedra D´Água, Matão, chegaram primeiro e já estão mostrando para que vieram. O branco das paredes do museu salienta a cor negra destes quilombolas que não dispensaram o convite de participar. Zé Pequeno trouxe uns companheiros que agora estão animando os chegantes com forró pé de serra, enquanto dona Lourdes agachada no centro do salão com suas mãos ligeiras da forma a argila que se torna vasilhas e panelas, repetindo e perpetuando a tradição que chegou da mãe África com o povo escravizado. Forma-se uma grande roda e os estudantes que vieram visitar a exposição escutam os testemunhos dos quilombolas e de pessoas que aderiram a causa quilombola. Nada aqui é artificial, tudo corre sem programa porque o que importa agora é deixar vibrar, cantar, falar o povo negro. Talvez não saibam o que signifique festa da consciência negra, mas este povo que antes não falava, que não podia frequentar lugares importantes, que não era valorizado, que para a sociedade não existia, agora se sente a vontade e brilha, como brilham os olhos de Paquinha quando conta com profunda emoção dos seus silêncios passados, seus medos, seus sofrimentos. E dona Lourdes que fala para a televisão. Sim, agora fala, pega no microfone e solta a palavra que sempre lhe foi negada pela sociedade branca. E seu Zé Pequeno não tem hesitação em dizer que os brancos massacraram demais o povo negro e lhe tiraram o direito de viver. Não desgruda do microfone quase para lavar a alma, lembrando e relatando para a juventude presente como foi sua infância e juventude no campo. Este povo quilombola está mudando, ocupando espaços, usando a palavra para afirmar que existe.
Foram anos de encontros, de visitas, de viagens, de tentativas, de superação enfim para o despertar da consciência. Foi ao longo do caminho que aprenderam a andar, para saborear o gosto da liberdade e da autonomia. Nada vem de graça, precisa muito amor para com este povo que quer viver. Muito caminho ainda resta a percorrer para a liberdade ser completa, mas o olhar vai longe e o desejo de dias melhores é bom companheiro.
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Zé Pequeno com os companheiros músicos |
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A roda de conversa |
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Paquinha com as jornalistas |
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Dona Lurdes e as suas panelas na televisão |
A direção do museu MAC junto com
AACADE e o fotografo Alberto, que preparou todo o trabalho fotográfico, estão
aqui para apoiar estes heróis, protagonistas de uma nova história que está se
reescrevendo na Paraíba como no Brasil. Esta exposição de fato expõe, mostra a
vida dos quilombos com suas mazelas, desafios e alegrias, o que mudou e precisa
mudar para frente. Não estamos aqui para assistir ou olhar, mas para vivenciar
a vida dos quilombos que querem um futuro. E a festa é vibrante ao toque forte
do zabumba da Caiana que remonta ao toque dos tambores africanos. A ciranda do
Grilo que está renascendo, o coco de roda e a ciranda da Caiana empolgam os
visitantes que entram na roda porque o negro não discrimina ninguém. E seu
Domingos olhando atento tudo e vibrando na alma porque pela primeira vez talvez
esta cepa antiga do povo resistente está ao centro da sena, agora junto ao
preto velho dom José Maria Pires que entra na ciranda porque este é o povo onde
ele se reconhece e reencontra sua ancestralidade. Muitos jovens e crianças
quilombolas estão participando sem receio porque não tem restrições nem
limites. O museu por algumas horas se transformou num quilombo colorido e
animado, onde a vida fala mais alto do que as conversas acadêmicas sobre
quilombos.
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Quilombolas visitando a exposição |
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Alberto com a prof.a Mércia e os seus alunos de antropologia |
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Dom José Maria Pires na roda da ciranda do Grilo |
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A ciranda de Caiana dos Crioulos |
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A capoeira de Matias |
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