quinta-feira, 21 de abril de 2016

UM PINGUINHO DE GENTE por Luís Zadra

Taís com a mãe e a "fata madrinha" Francimar
São dez horas da manhã quando a pequena Tais recebe alta do hospital onde tinha sido internada nas últimas uns dez dias antes. Carregamos no carro junto com a mãe Ingrid de 17 anos, o avô Luis e Francimar rumando para nossa casa para organizar a viagem de volta para o quilombo Fonseca distante 450 quilômetros de João Pessoa. A pequena Tais nasceu de sete meses em situações dramáticas no hospital de Princesa. O médico de plantão não quis fazer o parto por ser considerado de risco, por isso não tendo outra escolha as enfermeiras tomaram a iniciativa: enquanto duas se ocupavam do parto uma terceira de joelhos rezava para que tudo desse certo.
Por causa de uma infecção e outras complicações que se seguiram aos primeiros dias do nascimento o medico decidiu que a menina devia ser internada com urgência na UTEI de um hospital. Não tendo esta possibilidade no hospital local iniciou-se uma verdadeira via crucis para encontrar uma vaga: foram 450 quilômetros de estrada entrando e saindo de hospitais de varias cidades ao longo do caminho. Não tinha vaga ou estrutura até que enfim conseguiram encontrar uma vaga com incubadora num hospital de João Pessoa. Para sertanejo e povo pobre não existe urgência, o tempo é relativo e no relógio dele não tem horas marcadas. O Luis que conhecemos bem por ser animador do quilombo Fonseca, nos avisou por telefone da situação e informou que ele como a jovem mãe ja estavam voltando na mesma ambulância que os tinha trazido porque não tinham recursos para ficar na cidade. Ele nos pediu de fazer alguma coisa para cuidar de Tais.
Em seguida Francimar foi ao hospital e informada que só os parentes podiam entrar no horário de visitas, inventou na hora que ela era madrinha de batismo autorizada pelos parentes para fazer as visitas e cuidar da criança. A coisa pegou e Francimar foi apelidada de “fada madrinha”. Pequeno ser sem defesa, um pinguinho de gente mas teimosa nossa Tais ao ponto que depois de poucos dias foi declarada fora de perigo e foi dada alta.
Enquanto esperamos por um transporte que a leve de volta para sua casa, observo a criança no colo da mãe envolta em paninhos brancos com as bordas vermelhas, quase perdida no meio deles por ser miuda demais, um rostinho redondo, ainda dormindo também pelo cansaço da lida pela sobrevivência. Uma manchinha negra, porque Tais é negra, como negro é o povo da sua comunidade, como negros são seus olhos que da para vislumbrar quando acorda para sugar poucas gramas de leite da mamadeira. Infelizmente a mãe não pode dar o peito porque tem dengue como a maioria do povo da comunidade.
Ambulância nem sonhar para a pequena recém saída da incubadora. No fim tem que se ajeitar numa van superlotada de pessoas saídas de hospitais e consultórios em busca de curas que não encontram nos seus lugares de origem, espalhadas por este sertão do meu deus. Este povo aprende desde pequeno que viver é perigoso. E para piorar as coisas, la pelas tantas do caminho caiu um toró e a água começou a entrar pelo teto do carro. A sorte que uma mulher benfazeja que ajudava a mãe, providenciou um pano para proteger estas criaturas.
A viagem durou a noite toda e chegando em Manaíra tiveram que enfrentar o caminho para a comunidade em cima de duas motos, numa pista perigosa destruída pela chuva recente.

A comunidade quilombola de Fonseca durante o período de estiagem 
Nos apegamos a Tais e sua família. Agora que nossos caminhos se cruzaram não podemos deixar de nos perguntar qual será o futuro desta menina. Vai sobreviver? Vai conseguir enfrentar as tempestade da vida, ela que nascida prematura de sete meses foi jogada num mundo onde até os adultos muitas vezes tem dificuldade para viver?
Me lembro dos anos passados no Maranhão, quando nos rincões mais perdidos do alto sertão morria uma criança ainda mole, quase sempre de disenteria, o povo se conformava ligeiro: “Deus precisava de um anjinho no céu e assim veio buscá-lo”. Tais não pode ser um anjinho a mais e negro no céu de um deus cruel porque ela tem direito à vida, nasceu para viver. Podemos discutir sobre as maternidades precoces (a mãe tem outro filho): a estrema pobreza em que vivem muitas famílias produz muitos e graves problemas. Mas Tais nasceu e tem vontade de viver.
Tais, obrigado por nos ensinar a resistir, a acreditar na vida sempre. Nós te amamos e dedicamos esta tua história aos milhões de Tais que no mundo vivem situações como a tua e muitas vezes não conseguem sobreviver por causa do egoismo e a ganancia humana que excluem os mais fracos. Bem vinda a vida Tais!

PS Na sua comunidade quilombola as pessoas partilham o pouco que tem, se ajudam. Se alguém tem vontade, pode ajudar. A “fada madrinha” Francimar não é ciumenta: tem lugar para todos.

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