quinta-feira, 24 de março de 2016

A terra é nossa e a escravidão acabou - entrevista com dona Lurdes

Alegria, medo, felicidade, esperança, fé, sofrimento: a fala de dona Lurdes na ocasião de imissão de posse da terra da comunidade quilombola do Grilo/Paraíba/Brasil - 16 de março de 2016

Para assistir a entrevista clicar neste link:


quinta-feira, 17 de março de 2016

Comunidade quilombola na Paraíba comemora posse de imóveis

fotos: Ascom Incra/PB

As 71 famílias que formam a comunidade quilombola do Grilo, no município de Riachão do Bacamarte, na região do Agreste paraibano, comemoraram, na quarta-feira (16), a conquista dos dois imóveis que integram o território de aproximadamente 139 hectares que elas reivindicam. Passaram à posse do Incra os imóveis Serra Rajada I e II, que somam cerca de 119 hectares e estão situados a aproximadamente 98 quilômetros da capital paraibana. Os outros 20 hectares do território reivindicado já estão em posse da comunidade.

O próximo passo no processo de regularização do território da comunidade quilombola do Grilo é, de acordo com a antropóloga do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra na Paraíba (Incra/PB) Maria Ester Fortes, a concessão do título de propriedade coletivo e pró-indiviso em nome da associação dos moradores da área.

“Os proprietários têm 30 dias para retirarem seus pertences das áreas, mas a comunidade já pode usufruir plenamente do seu território. A imissão de posse já garante às famílias acesso pleno e autoridade sobre as áreas”, explicou Maria Ester, acrescentando que o Incra emitirá, em nome da comunidade, um Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) que serve como título provisório.

Ato de posse

Além das famílias da comunidade do Grilo e de outras comunidades quilombolas paraibanas, participaram do ato de imissão de posse, realizado após uma caminhada, o superintendente do Incra/PB, Cleofas Caju, a equipe do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas da autarquia, o oficial de justiça da 6ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Campina Grande Milton Moraes e representantes do Ministério Público Federal (MPF), da Associação de Apoio às Comunidades Afrodescendentes (Aacade), da Coordenação das Comunidades Negras e Quilombolas da Paraíba (Cecneq) e de movimentos sociais do campo.

“Estamos fazendo justiça social com essa conquista de mais de cem hectares. O Governo Federal está corrigindo uma grande injustiça cometida contra o povo negro, que foi tão explorado”, afirmou Cleofas Caju.

Para a presidente da associação da comunidade, Leonilda Coelho Tenório dos Santos, 55 anos, mais conhecida como Paquinha, a conquista das áreas reivindicadas significa mais do que a garantia de permanência das famílias na terra onde viveram seus antepassados. “Essa conquista é tudo para nós. Significa trabalho, plantio, criação de animais”, disse.



Foro 
Segundo a agricultora, as famílias da comunidade do Grilo pagavam foro, uma taxa cobrada pelos proprietários das terras, para poderem plantar na área durante seis meses do ano. “Às vezes não dava nem tempo de colher o roçado porque o gado dos donos das terras comiam tudo”, contou Paquinha. 

Com a imissão de posse dos imóveis, as famílias já planejam plantar feijão, milho, fava, macaxeira, inhame, batata-doce e hortaliças. “A terra é muito produtiva. O que plantar dá”, garantiu Paquinha. “Não quero que nenhum jovem da nossa comunidade saia daqui para morar fora, em João Pessoa, no Rio de Janeiro ou em São Paulo”, concluiu a liderança quilombola.

Maria Ester disse que a imissão de posse dos dois imóveis vinha sendo aguardada com muita ansiedade. “A gente sabe que o processo é demorado e complexo, mas as comunidades quilombolas não desistem. Elas possuem muitos amigos e parceiros, que colaboraram para que o trabalho do Incra fosse realizado”, afirmou a antropóloga do Incra/PB.

Após o ato de imissão de posse, a comemoração da conquista da comunidade do Grilo seguiu durante toda a tarde com fogos de artifício, ciranda acompanhada com zabumba e triângulo e um almoço.

Relatório Antropológico 
O Relatório Antropológico que compõe o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade quilombola do Grilo foi publicado em 25 de março de 2011 e foi fruto de contrato firmado em março de 2008 entre o Incra/PB e a Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (PaqTcPB) e elaborados por uma equipe formada por quatro professores doutores em Antropologia da Unidade Acadêmica de Sociologia e Antropologia do Centro de Humanidades da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Peça inicial do processo administrativo de regularização dos territórios quilombolas, o RTID aponta os aspectos históricos e socioculturais das comunidades e é constituído por relatório antropológico, relatório agronômico e ambiental, levantamento fundiário, mapa e memorial descritivo da área, além da relação das famílias quilombolas cadastradas pelo Incra.

Os Decretos de Declaração de Interesse Social para fins de desapropriação dos dois imóveis que integram o território reivindicado pela comunidade do Grilo foram assinados pela presidenta Dilma Rousseff em 5 de dezembro de 2013 e publicados no Diário Oficial da União (DOU) do dia seguinte. 

Sobre a comunidade 
De acordo com depoimentos dos moradores do Grilo transcritos no RTID, a comunidade se originou quando as terras da comunidade quilombola vizinha, a Pedra D'Água, tornaram-se insuficientes para sustentar todas as famílias. Descendentes da Pedra D'Água se estabeleceram em terras dos arredores, que hoje constituem as comunidades quilombolas do Grilo, do Matias e do Matão.

Ainda segundo o RTID, as famílias que hoje vivem na comunidade descendem, em grande parte, dos primos Manuel Dudá e Dôra, que, depois de casados, retornaram ao Grilo, onde Manuel havia nascido, na condição de moradores. No final da década de 1960, após 14 anos de trabalho, a família comprou um pequeno pedaço de terra onde hoje é o núcleo de moradia do Grilo. De acordo com o RTID, ao se casarem, os filhos do casal foram se estabelecendo ao redor dos pais e passaram a depender das terras vizinhas para manter seus roçados, não mais como moradores, mas como arrendatários.

O RTID registra várias características e tradições da comunidade, como a organização em torno dos laços de parentesco, a priorização dos casamentos endogâmicos, as memórias de festa e trabalho constituídas pela lida no roçado próprio ou como mão de obra alugada, a confecção de louça de barro e do labirinto – tarefas marcadamente femininas –, as festas de São João e as celebrações animadas pelo coco de roda, pela ciranda e pelo samba. As celebrações religiosas de caráter coletivo incluíam, segundo o relatório, as rezas ao longo de todo o mês de maio e as novenas realizadas nas casas da comunidade e encerradas, muitas vezes, com uma roda de ciranda.

Processo de regularização
A missão de regularizar os territórios quilombolas foi atribuída ao Incra em 2003, com a promulgação do Decreto nº 4.887, que regulamentou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata a Constituição Federal em seu Artigo 68.

As comunidades quilombolas são grupos étnicos predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se que em todo o país existam mais de três mil comunidades quilombolas.

Para terem seus territórios regularizados, as comunidades quilombolas devem encaminhar uma declaração na qual se identificam como comunidade remanescente de quilombo à Fundação Cultural Palmares, que expedirá uma Certidão de Autodefinição em nome da mesma. Devem ainda encaminhar à Superintendência Regional do Incra uma solicitação formal de abertura dos procedimentos administrativos visando à regularização.

A regularização do território tem início com um estudo de vários aspectos da comunidade, a elaboração do RTID. Uma vez aprovado este relatório, o Incra publica uma portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola. A fase final do procedimento é a regularização fundiária, com a retirada de ocupantes não quilombolas através de desapropriação e/ou pagamento das benfeitorias e a demarcação do território. É concedido título de propriedade coletivo, pró-indiviso e em nome da associação dos moradores da área, registrado no cartório de imóveis, sem qualquer ônus financeiro para a comunidade beneficiada. Os títulos garantem a posse da terra, além do acesso a políticas públicas como educação, saúde e financiamentos por meio de créditos específicos.

Na Paraíba 
Dos 29 processos abertos no Incra/PB para a regularização de territórios quilombolas, 14 Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTIDs) foram iniciados e destes, nove foram publicados nos Diários Oficiais do Estado e da União: Engenho do Bonfim, em Areia; Matão, em Gurinhém; Comunidade Urbana do Talhado, em Santa Luzia; Pedra D'Água, em Ingá; Grilo, em Riachão do Bacamarte; Mundo Novo, em Areia; Paratibe, em João Pessoa; Caiana dos Crioulos, localizada nos municípios de Alagoa Grande, Matinhas e Massaranduba; e Vaca Morta, no município de Diamante. De acordo com a presidente da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes da Paraíba (Aacade/PB), Francimar Fernandes, 38 comunidades remanescentes de quilombos na Paraíba já possuem a Certidão de Autodefinição expedida pela Fundação Cultural Palmares e uma outra comunidade deve receber a certidão em breve.

Publicado dia 17/03/2016
* Matéria atualizada às 10h de 18/03/2016. Assessoria de Comunicação Social do Incra/PB (83) 3049-9259 / (83) 8121-3864 www.incra.gov.br

Fonte: http://www.incra.gov.br/noticias/comunidade-quilombola-na-paraiba-comemora-posse-de-imoveis

Comunidade quilombola do Grilo recebe posse da terra - por Dalmo Oliveira da Silva

Agricultores quilombolas terão 140 hectares da reforma agrária | fotos: Dalmo Oliveira
Quarta-feira, 16, passei maior parte do dia num lugar onde nunca havia estado antes: na comunidade quilombola do Grilo, município de Riachão do Bacamarte, na divisa com a área rural de Serra Redonda. Fui por um motivo muito especial, a convite da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes (AACADE), testemunhar e registrar, jornalisticamente, a imissão de posse de cerca de 140 hectares para 71 famílias daquele lugar.

Em menos de 15 anos, a comunidade fundou sua associação, consolidou o processo de autorreconhecimento das famílias, demandou do INCRA a realização de Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTIDs), mobilizou apoio institucional do Governo Federal, através da Fundação Palmares, e agora obtém a titulação definitiva da terra. Não é pouca coisa, principalmente considerando que, das 39 comunidades quilombolas conhecidas no território paraibano, apenas a do Grilo e a do Bonfim, localizada no distrito de Cepilho, no município de Areia, conseguiram o benefício.
Socorro e Helena: não desistiram da luta pelo direito à terra
Quando chegamos ao topo da serra, no meio da manhã, os comunitários estavam em êxtase, comemorando a vitória coletiva. Sobre um lajedo de onde se tem uma magnífica visão do vale e da silhueta longínqua dos edifícios de Campina Grande no horizonte, encontrei com Maria Helena dos Santos e Maria do Socorro Freire Tenório, que conversavam animadamente sobre a conquista. “Teve gente aqui que apostou que botava até saia, se essa terra saísse. Agora chegou a oportunidade para ele pagar a aposta, né!?”, comentou Dona Socorro, com um ar de satisfação e euforia no semblante. Alaíde Josefa da Conceição é outra septuagenária aposentada que nasceu naquele território. “A gente trabalhava na terra dos outros, minha mãe, tia, vó, uma família só. Fazia um roçadinho, lucrava umas coisinhas poucas”, rememora. Sobre a divisão da terra ela disse que quer pouca coisa, o suficiente para plantar, feijão, milho, fava e outras culturas comuns na região.

Leonilda e outros líderes do Grilo: 15 anos de luta comunitária
Leonilda Coelho Tenório dos Santos, 55 anos, uma das principais líderes da comunidade, diz que a peleja pela terra foi iniciada em 1998. “Tendo terra, nós podemos viver aqui sem ter que nos deslocar para a cidade grande”, garante Paquinha, como ela é mais conhecida no Grilo. “Era pra ter 180 famílias, mas depois que fez o levantamento ninguém quis ficar. Vieram dizer que aquilo não tinha futuro, que aquilo não ia crescer, e que eu tava criando problema com as terras dos outros. Eu pensei até em desistir de tudo e sair do país”, conta. O Superintendente do INCRA na Paraíba, Cleofas Ferreira Caju, fez questão de ir pessoalmente levar a papelada da imissão da terra do povo do Grilo. Ele chegou à sede da associação da comunidade quilombola, por volta das 10 horas, acompanhado de um oficial da Justiça Federal. No meio do terreiro principal, Caju fez uma rápida fala aos presentes. Depois eles se dirigiram à sede da Fazenda, para que o notificador federal efetuasse a entrega da documentação aos antigos proprietários. “Eles vão ter 30 dias para tirar seus animais e outros bens que não foram objeto da desapropriação”, explicou ao público.

Superintendente do INCRA-PB, Cleofas Cajú, fez questão de
entregar pessoalmente termo de imissão da posse da terra à comunidade
CORRIGINDO INJUSTIÇA
Como se fosse uma procissão, cerca de 100 pessoas desceram a serra em caminhada percorrendo o trajeto da estrada ingrime até o Grilo de Baixo, onde fica a Casa Grande da fazenda coletivizada. “Essa é uma ação social do Governo Federal da maior relevância. Estamos avançando na regularização das comunidades quilombolas no Estado da Paraíba. Essa comunidade é emblemática, porque está localizada bem no Agreste da Paraíba, numa área razoavelmente grande, são mais de cem hectares. O Governo Federal está corrigindo uma grande injustiça que foi feita com o povo negro dessa localidade, que viviam aqui em condições sub-humanas”, diz o gestor. Maria de Lourdes Tenório Cândido é a louceira da comunidade. Aprendeu com a mãe a arte de dar forma ao barro quando tinha apenas 12 anos. Enquanto o pessoal percorria a antiga Fazenda do Américo com os servidores do INCRA e da Justiça Federal, eu aproveitei para trocar uns dedinhos de prosa com ela, que, com mais de 70 anos, exibe uma condição física e de saúde invejável. “Meu pai era pobre, muito pobre, trabalhador de alugado, e agente fazia, vendia pra fazer um dinheirinho para ajudar a família a comprar qualquer coisa”, relembra Lourdes, que diz apurar até uns R$ 200,00 por mês com a venda dos utensílios. Depois que passar a euforia da conquista da terra, os quilombolas do Grilo vão precisar dar um outro passo importante na sua história: garantir sustentabilidade produtiva para os novos donos da terra!

quinta-feira, 17 março 2016
fonte: http://diretodosanhaua.blogspot.com.br/2016/03/comunidade-quilombola-do-grilo-recebe.html

Vídeo da imissão de posse da terra do quilombo Grilo


para assistir ao vídeo clicar na imagem