quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

É FESTA NO MUNDO NOVO de Luís Zadra

26 de janeiro de 2014
Dona Creusa, com jeito bem cometido, se aproxima, me cumprimenta e faz questão de me mostrar, abrindo uma sacola de plástico, um estojo rosa. “Eu ando sempre prevenida nos encontros da comunidade. Levo meus óculos para poder assinar. Sempre tem alguma coisa para assinar”. Faz questão de afirmar sua participação nas coisas da comunidade: afinal aqui começou o resgate do passado de todos. Nos seus 78 anos, muito bem escondidos num corpo miúdo mas muito ativo, rosto rugado pelas muitas lidas e um sorriso aberto veio para a festa do Mundo Novo. A comunidade está inaugurando o centro comunitário e ela está aqui porque é muito importante para ela como para todos os quilombolas do Mundo Novo. Todo mundo está a rigor como exigem os momentos importantes: com a melhor roupa e com jeito de quem quer marcar presença. No salão bem espaçoso e recém-pintado a comunidade participa das conversas, das lembranças antigas e recentes que trazem a tona um passado que foi de dor, de luta e resistência. O povo está a vontade, sossegado: é muita coisa para quem vivia com um pé levantado quase na iminência de sair da terra. Lembram de quando as herdeiras mandaram cavar a vala que cortou a estrada. Mas deixa pra la, hoje é festa.
E todos colaboraram para a festa dar certo, de muitas formas e sempre que motivados pelas lideranças como Marcos e Zefinha, com dinheiro e trabalho. Afinal a construção do centro comunitário teve e tem o significado da vontade de firmar o pé neste chão por parte desta comunidade quilombola de 35 famílias que vivia esquecida e a margem de tudo. E foi muito trabalho, mas gratificante para servir o almoço para umas trezentas pessoas. Vieram os vizinhos dos sítios, os quilombolas do Grilo, Matão, Matias e Pedra D´Água como os quilombolas de Bonfim que viveram uma história semelhante a deles. Foram todos amarrados ao destino do Engenho que traçou os caminhos deste povo que não tinha outra saída a não ser trabalhar para os donos do engenho. Com o trabalho escravo dos antepassados e quase escravo deles, deram vida a fazenda, construíram o futuro dos donos e dos herdeiros. O trabalho duro tragou muitas vidas. Quando não mais serviam para ser explorados, o que lhes cabia era a rua, sem nada levar e ainda xingados de todo nome. A sorte deste povo sujeito aos maus tratos dos donos das terras como da vida sofrida é que não leva mágoa e a alegria das pequenas e grandes vitórias ameniza as feridas quase cicatrizadas. Um pé de rosa vermelha carregado de flores parece ter desabrochado pela ocasião na entrada do centro comunitário para enobrecer a festa. Ele acompanhou sempre o desenrolar das reuniões, da construção, dos xingamentos duma herdeira que não se conformava em aceitar um direito dos quilombolas construído ao longo dos anos e garantido pela lei. Para os sabidos e poderosos não tem direito para os pobres: sempre foi consagrado o direito dos mais fortes e só pensar numa possível derrota deixa os donos revoltados. Pobres e negros querendo ficar na terra e querer ser donos é demais para quem nunca reconheceu a dignidade dos outros. E os quilombolas fazem festa, comida farta preparada por muitas mulheres e apoiadas pelos homens nas tarefas mais pesadas. Seu Coca no dia anterior tinha carregado lenha com seu jegue debaixo do grande pé de jaca onde foi instalado um fogareiro de pedras para abrigar um taxo enorme para cozinhar o caldo de mocotó. 
O pé de jaca, que abrigou debaixo de sua sombra generosa as reuniões, presenciou as esperanças e o relato das dores e dos vexames do povo, que deu alento aos negros quilombolas ao longo destes últimos anos. É gente de todo canto como acontece nos momentos de festa do povão que garante comida para todos. E o forró pé de serra que depois do almoço, desocupado o salão, deixa o povo a vontade para dançar. É festa no Mundo Novo, festa merecida, desejada varrer os muitos anos de desaforo, exploração e falta de horizonte. Agora o povo está mais forte, percebe que tem saída e faz questão de salientar o apoio dos amigos de AACADE, os de perto e de longe que os incentivaram a resistir. Tem muita coisa ainda a ser feita: a questão da terra está em andamento com a certeza dum desfecho positivo. Todos estão mais sossegados em seus sítios com seus bichos e plantações: tudo bem regrado dentro dos conformes que permitem viver sem percalços. E a chuva que veio no tempo certo como benção vai dar vida as sementes. É bonito de se ver o contento nos rostos, na cerveja e cachaça que passeiam pelas mãos, com abundancia. Hoje dona Severina deu trégua a seu cachimbo que só usa fora das vistas do povo. E mãos agradecidas nos oferecem frutas e legumes dádiva desta terra que parece gostar de liberdade. E o arame novo, mais de quilometro que queria fechar o povo num cerco brutal ainda teima em querer saber como foi que um dia amanheceu feito picadinho.











quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O CAMINHO DAS PEDRAS de Luís Zadra

Na Serra Rajada, no pé da ladeira que leva ao Grilo encontramos Paquinha (Leonilda) e Loia (Elias) que estão envolvidos na construção de cisternas do programa do governo. Paquinha está peneirando areia para o reboco final de uma cisterna, com seu facão na cintura, chapéu na cabeça e um sorriso aberto. A vida foi ingrata com ela, a obrigou a enfrentar a luta do dia a dia de uma forma difícil, cuidando praticamente sozinha da criação da família; mas debaixo deste corpo franzino se esconde um grande coração de mulher persistente e corajosa. Paquinha tem 3 filhos homens e Massilene, a caçula, por todos querida pela sua meiguice e beleza que esbanja na redondeza.
Hoje nosso encontro tem algo de especial: não podem esconder a alegria em contar a novidade. Conseguiram finalmente abrir o caminho que leva à comunidade pelas pedras enormes que formam o cume do morro onde o quilombo do Grilo está agarrado há muitos anos desde que os antepassados deste povo tenaz e corajoso decidiram firmar morada nestas bandas. Os dois irmãos me mostram o caminho e nos convidam a subir com o carro pela encosta alta mas bem aparada. Nunca teria pensado que pudessem abrir caminho por ai mas nós estamos subindo o morro no meio das pedras com a satisfação de Paquinha que nos conta o feito. Era um sonho antigo, acalentado desde que o Grilo começou a receber visitas, quando a comunidade começou a se organizar liderada por Paquinha.
E lá estamos nós, no cume do morro, a estrada ainda para ser concluída mas que se abriu para que pudesse passar a felicidade de Paquinha: “eu queria que fosse seu carro o primeiro a subir esta serra porque nos apoiou tanto nesta comunidade”. Depois de muita peleja conseguiu a maquina da prefeitura e em 4 dias de serviço orientado por ela e com o apoio da comunidade o caminho entre as pedras está aberto. No meio do caminho não tinha uma pedra, tinha montanhas de pedra, mas a estrada feita uma grande e sinuosa cobra arrodeia os obstáculos para permitir chegar no centro comunitário. Este feito tem um enorme significado e uma densidade humana grande quase a dizer ao mundo que “nós existimos, queremos respeito, queremos lugar, estamos aqui”. E do cume do morro/pequena montanha do Grilo se espalha a satisfação pelos vales ao redor, e o olhar se espraia para a terra que logo mais será finalmente a terra do Grilo, onde o povo sempre plantou para viver, mas que nunca pôde ter nas mãos. Estão programando dias de serviço para completar a obra e a comunidade quer ajudar: o Grilo nestes anos saiu do isolamento. Parecia destinado a ficar sempre esquecido, escondido. É como se tivessem aberto um caminho pro meio do mundo, eles os quilombolas. A revelia de muitos que nunca acreditaram nesta comunidade, a revelia das autoridades que sempre ignoraram este pedacinho de Brasil, tem gente que não mais abre mão de seus direitos porque aprendeu o caminho... no meio de muitas pedras.
Este fato é quase a parábola das muitas lutas que o povo negro sempre enfrentou para firmar sua existência e sua dignidade. Muita pedra, muito açoite moral, muito desprezo: “ninguém da valor aos pobres” afirma Loia mas os pobres devagar se firmam e se afirmam com sua capacidade de enfrentar porque o nome deles é resistência.
No meio das serras do Agreste Paraibano se ergue este pequeno/enorme monumento de humanidade, em cima do morro que permite mirar Campina Grande, Ingá, Serra Redonda, Riachão de Bacamarte e muitas moradas encravadas nas encostas. E o brilho dos olhos de Paquinha se espalha morro abaixo. Uma mulher, uma das teimosas mulheres paraibanas que nos muitos rincões destas terras fazem o milagre da vida acontecer.




A comunidade quilombola do Grilo
Campina Grande vista do Grilo durante o pôr do sol

domingo, 5 de janeiro de 2014

“O Brasil desconhecido do povo quilombola”: uma palestra de Alberto Banal na Itália

Arese - Milão (gpe). A primeira palestra de 2014 será ministrada na quinta, nove de janeiro, pelo relator Alberto Banal, um dos sócios fundadores da UNITER, de volta do Brasil onde mora faz oito anos desenvolvendo projetos de voluntariado na maioria com comunidades quilombolas, as quais serão objeto da palestra: “O povo quilombola: um Brasil desconhecido”. O relator apresentará um documentário sobre o surgimento e a difusão dos quilombos como forma de recusa radical da escravidão por parte dos escravizados africanos, quilombos que ainda hoje existem no Brasil com pelo menos 3.500 comunidades