de Eulália Bezerra Araújo e Mércia Rejane Rangel Batista
O movimento negro na Paraíba se apresenta por meio da atuação espontânea e individual de seus militantes, com o intuito de incentivar a auto-estima e o orgulho do ser negro ou pelo trabalho desenvolvido por grupos e organizações que combatem o preconceito, a discriminação e o racismo. De modo geral, o movimento negro é definido como sendo toda instituição ou organização engajada nas questões referentes aos negros, empenhadas em promover a igualdade social advinda das desigualdades raciais. Contudo, as questões que envolvem os negros assumem diversas configurações, podendo se expressar nos problemas enfrentados pelos negros no âmbito urbano ou no meio rural ou nas questões que envolvem mulheres, jovens e famílias negras, como também nas questões de empregos, saúde, educação e habitação.
Propomo-nos a verificar como ocorre o processo de auto-reconhecimento e quais as reivindicações provenientes dos assim chamados remanescentes de comunidades quilombolas na Paraíba, tomando como exemplo o processo de reconhecimento do quilombo Grilo.
Antes de iniciar este estudo, tínhamos a concepção de que essas questões eram articuladas pelo movimento negro paraibano. Contudo, no decorrer da pesquisa, percebemos que as entidades engajadas com os problemas das comunidades quilombolas, mesmo sendo organizações preocupadas com as questões negras, não são institucionalizadas enquanto movimento negro.
Então, sendo nossa intenção demonstrar quais as organizações da Paraíba, ou parte delas, que se dedicam às questões dos negros de modo a apresentar as formas de atuação e as concepções dessa atuação, acreditamos ser conveniente discorrer sobre as entidades diretamente ligadas às questões quilombolas, então, respeitando as denominações oficiais, passaremos a discorrer sobre a atuação de duas entidades, a AACADE e a CECNEQ.
Na Paraíba podemos destacar duas entidades que trabalham com a questão quilombola, a AACADE – Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afro-Descendentes – que, de certa forma, inaugura essa discussão no Estado, e a CECNEQ/PB – Coordenação Estadual de Comunidades Negras e Quilombolas da Paraíba – fundada a partir do empenho de membros da AACADE.
Dentro da AACADE, alguns de seus membros, que estão entre os fundadores da instituição, são os que atualmente se dedicam a localizar e conscientizar as comunidades quilombolas da Paraíba, além de viabilizar os processos de auto-reconhecimento e implantação de políticas públicas nessas comunidades.
Iniciaram suas atividades aqui na Paraíba desenvolvendo trabalhos destinados às populações negras e pobres localizadas na zona urbana, por volta de 1996/97, passando a desenvolver atividades entre as comunidades rurais, quando conheceram a comunidade negra Caiana dos Crioulos na região de Alagoa Grande.
As questões acerca das comunidades quilombolas da Paraíba não surgem de imediato, na verdade, temos todo um percurso de experiências para se começar a refletir sobre a situação e as reivindicações dessas comunidades.
Partindo da situação de Caiana dos Crioulos é que os membros despertam para a especificidade das comunidades negras. Então, é a partir da atuação desses membros que a AACADE se torna uma entidade preocupada com as questões quilombolas.
A entidade AACADE surgiu a partir da iniciativa de um grupo formado por professores, educadores populares, assistentes sociais, agentes de saúde e voluntários que se dedicavam a prestar assessoria à população do campo, em especial a trabalhadores e famílias sem terra.
A AACADE inicia suas atividades no ano de 1997 na região de Alagoa Grande, com ações voltadas mais diretamente para as comunidades rurais da região. Em seguida, essa entidade amplia seu campo de atuação, prestando apoio e assessoria às comunidades afro-descendentes, passando a atuar em outras regiões do estado da Paraíba. Oficializada juridicamente em 2003, a AACADE torna- se, na visão de seus membros, “uma entidade da sociedade civil sem fins lucrativos.” (Documento AACADE).
De acordo com sua sigla, a AACADE é uma organização comprometida com o desenvolvimento do meio rural, das comunidades afro-descendentes e assentamentos, “tendo como base fundamental as especificidades culturais, étnicas, de gênero e geração.” (Documento AACADE) As primeiras comunidades rurais negras das quais os membros da AACADE tiveram conhecimento foram Caiana dos Crioulos e Serra do Talhado, a primeira devido ao fato de terem trabalho na região de Alagoa Grande; a segunda, por ser uma comunidade muito conhecida na Paraíba, pois foi plenamente divulgada através do filme Aruanda e da cerâmica que é produzida pelas mulheres da comunidade. Tendo conhecimento das comunidades Caiana dos Crioulos e Serra do Talhado, aos poucos, outras comunidades vão sendo adicionadas à lista de comunidades negras rurais da Paraíba. Por meio de informações obtidas através de sindicatos e de alguns informantes, os membros da AACADE começam a ter notícia da existência de outras comunidades, como por exemplo, Pedra D’água e Grilo. Então, Matão e Matias foram comunidades que os membros da AACADE passaram a conhecer através de informações obtidas dentro das comunidades do Grilo e Pedra D’água.
Após fazer a localização das comunidades, a AACADE se disponibiliza em visitá-las e identificá-las enquanto comunidades rurais negras, nestas, eles se empenham em realizar reuniões com o intuito de conscientizá-las de sua especificidade e de sua situação desfavorecida. Esse trabalho muitas vezes culmina em um pedido, enviado à Fundação Cultural Palmares – FCP –, de auto-reconhecimento enquanto comunidade rural quilombola.
Contudo, todo trabalho desenvolvido pela AACADE, desde a localização até o recebimento da certidão de autoreconhecimento e a implantação de políticas públicas nessas comunidades, não ocorre de forma fixa e bem estruturada, ou seja, seguindo esse cronograma e cada etapa sendo executada de modo impecável. Muitos percalços são enfrentados de modo a se buscar mecanismos para superá-los, por exemplo, muitas políticas públicas destinadas especificamente às comunidades quilombolas só chegam após a certidão, o que leva a um adiantamento do processo atropelando algumas etapas.
Então, muitos dos trabalhos desenvolvidos pela AACADE têm o propósito de incentivar a auto-estima e a conscientização dessas comunidades, visto que, muitas não compartilham da idéia de serem comunidades específicas, diferentes das demais, pois se imaginam, apenas, enquanto comunidade. Assim, o termo quilombola surge como uma nova denominação para qualificar uma situação já vivenciada, a de comunidade, com o diferencial de que, ao utilizar essa nova denominação, essas comunidades passam a usufruir dos direitos que lhes foram negados historicamente.
Nossa informante explana acerca desta situação.
As comunidades não são homogêneas, são compostas de pessoas que discordam entre si, então, podemos ter em uma mesma comunidade discursos veementes acerca de sua ancestralidade negra e quilombola, como podemos presenciar falas, nas quais as questões exercem predominância. Não podemos esperar das comunidades as respostas que desejamos e nem discursos idênticos.
Com isso, percebemos que o auto-reconhecimento não proporciona a inclusão automática nos programas e nas políticas destinadas às comunidades quilombolas, sendo necessário enfrentar e se engajar na luta para que haja a inclusão dessas políticas públicas.
AACADE também se empenha em articular e organizar as comunidades negras e quilombolas. Deste modo, incentivou a criação de uma entidade que congregasse e representasse as comunidades negras e quilombolas da Paraíba, a CECNEQ – Coordenação Estadual de Comunidades Negras e Quilombolas da Paraíba – criada em 2004. E continua sendo um meio de articulação entre a CECNEQ e as comunidades.
Podemos dizer que a AACADE se impõe à tarefa de construir junto às comunidades rurais negras uma agenda reivindicatória e criar uma consciência da negritude.
Como os membros da AACADE já vinham trabalhando, há algum tempo, na identificação das comunidades negras e quilombolas da Paraíba, surgiu, então, a necessidade de se criar uma entidade que congregasse e articulasse estas comunidades.
Dentro deste contexto, e devido à ausência de informações sistematizadas acerca da situação das comunidades negras, em outubro de 2004, é realizado, em João Pessoa, no Mosteiro São Bento, o I Encontro das Comunidades Negras e Quilombolas da Paraíba, com o intuito de reunir os representantes das comunidades, até então, contatadas pela AACADE, para se discutir a realidade vivenciada por essas comunidades. Participaram deste encontro em torno de representantes de 12 (doze) comunidades. Assim, o I Encontro de Comunidades Negras e Quilombolas da Paraíba serviu tanto para iniciar uma articulação entre as comunidades, já contatadas, como para se obter informações acerca da existência de outras comunidades. A realização desse primeiro encontro constituiu, na visão de seus idealizadores, como uma das primeiras iniciativas para desencadear na Paraíba um processo de visibilidade das comunidades negras e quilombolas existentes no Estado. De modo que este primeiro encontro teve o propósito de pôr em destaque as especificidades existentes nessas comunidades. Deste modo, neste primeiro encontro é instituída a Comissão Estadual das Comunidades Negras e Quilombolas da Paraíba, a CECNEQ/PB.
A CECNEQ/PB foi formada, inicialmente, por representantes das comunidades negras e/ou quilombolas da Paraíba e pela AACCADE como entidade de apoio.
Como a AACADE desempenha a tarefa de contatar, visitar e desenvolver nessas comunidades um trabalho de conscientização, a CECNEQ/PB, no período de sua constituição, era composto pelas comunidades nas quais os membros da AACADE já vinham efetivando algumas ações. A Comissão Estadual surgiu com esta configuração, e à medida que são acionadas novas comunidades, novos membros são incorporados, de modo que hoje integram esta comissão representante das comunidades negras das regiões do brejo, agreste, sertão e litoral, representante da AACADE e representante da Pastoral dos Negros.
A Comissão Estadual foi criada com o desígnio de instituir uma articulação entre as comunidades negras e quilombolas da Paraíba, de modo a se ter uma entidade competente em discutir e encaminhar reivindicações aos poderes públicos nos níveis federal, estadual e municipal. Criada em 2004 a CECNEQ/PB se empenha, desde então, na obtenção de informações acerca da localização das comunidades negras e quilombolas dentro do Estado.
Realizou em 2005 o II Encontro Estadual das Comunidades Negras da Paraíba e se propõe a realizar, mensalmente, encontros entre os representantes das comunidades com o objetivo de avaliar e programar ações destinadas às comunidades, contribuído para a formação de lideranças e fortalecimento da organização quilombola no Estado.
A CECNEQ/PB também consegue audiências com instituições como o INCRA, a FUNASA, a SEDES/JP e outros órgãos responsáveis em promover e implementar políticas públicas para as comunidades negras e quilombolas.
Assim, durante o período de organização, a CECNEQ/ PB em parceria com a AACADE obteve algumas conquistas em prol das comunidades.
Em 2008 ocorre a institucionalização da Comissão que, em decorrência de uma orientação jurídica, passa a se denominar Coordenação Estadual das Comunidades Negras e Quilombolas. Desde sua formação, em 2004, a CECNEQ vem trabalhando pela implantação das políticas públicas. Além disso, a Coordenação Estadual das Comunidades Negras e Quilombolas da Paraíba, enquanto entidade jurídica, pode viabilizar seus próprios projetos e assim conquistar mais autonomia e visibilidade.
A mais recente responsabilidade da CECNEQ consiste em exercer uma articulação entre o INCRA, as prefeituras e as comunidades, para elaboração de Laudos Antropológicos. A ordem das comunidades em que será realizado o processo de elaboração do laudo antropológico é feita em acordo com a CECNEQ e as comunidades, tendo em vista a situação de cada comunidade, isto é, priorizando as comunidades que apresentam problemas mais críticos. De modo que, das comunidades auto-reconhecidas na Paraíba, a elaboração do laudo antropológico já foi concluída em duas comunidades, Bonfim e Caiana dos Crioulos, por questão de prioridade. E assim, em seqüência, estão sendo elaborados os laudos das comunidades Pedra D’água, Matão e Grilo.
Segundo os entrevistados, participantes tanto da AACADE quanto da CECNEQ/PB, as maiores dificuldades enfrentadas pelas entidades referidas é a falta de recursos fixos e de pessoas dispostas a se envolver com o movimento, de acordo com os termos utilizados pelos entrevistados: “não temos pernas suficientes”.
O texto faz parte de: ARAUJO, Eulália Bezerra; Batista Mércia Rejane Rangel. Quilombos na Paraíba: notas sobre a emergência de uma comunidade quilombola. Ariús, Campina Grande, v. 14, n. 1/2, p. 61–75, jan./dez. 2008. Disponível em: http://www.ch.ufcg.edu.br/arius/01_revistas/v14n1-2/06_arius_v14_n1-2_d5_quilombos_na_para%C3%ADba.pdf
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