quarta-feira, 25 de abril de 2012

Quilombos do passado e quilombos de hoje

Ao longo de três séculos foram deportados como escravos da África para o Brasil mais de quatro milhões de africanos de várias etnias. O regime escravocrata foi duro e desumano: o escravo era simplesmente considerado como mercadoria, uma peça como outra qualquer, a ser usada e desfrutada ao máximo, vendida e até mesmo eliminada.
O excesso de trabalho, maus-tratos, castigos corporais e morais, fizeram aflorar nos escravos o sentimento de protesto e revolta, tais como: trabalhos mal feitos, suicídios, abortos, rebeldias coletivas e individuais e até a morte de seus donos e feitores. A solução mais radical era a fuga para as matas, o que favoreceu a formação de muitos quilombos que se tornaram uma grande preocupação para a estabilidade do sistema escravocrata. Nesta nova realidade, os ex-escravos criaram uma forma comunitária de sobrevivência como pessoas livres. Com o objetivo de dar base legal para a repressão a estas formas de resistência, o rei do Portugal, em uma carta ao Conselho Ultramarino no ano de 1740, definiu o quilombo como: “Toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões neles”.
Esta associação exclusiva com a fuga foi a característica principal dos quilombos do passado, que se formaram e se desenvolveram durante o período escravocrata. O fenômeno, no entanto, não parou depois da promulgação da “Lei Aurea”, datada de 13 de maio de 1888, que declarou o fim da escravidão, mas assumiu formas diferentes, não por isso menos importantes, pela sobrevivência de milhares de ex-escravos expulsos das fazendas sem nenhuma forma de indenização. Os novos quilombos foram se constituindo através de diferentes processos que vão desde ocupações de terras livres, heranças, trocas de terra por serviços prestados ao Estado, doações e até compras de terras. Na maioria dos casos, estas comunidades formadas por negros, mas também índios e brancos, vivenciaram e continuam vivendo na invisibilidade, esquecidas e excluídas por parte do poder público e da sociedade.
Cem anos tiveram que se passar para que o Estado brasileiro enfrentasse o problema da dívida histórica com os quilombolas. Isso aconteceu com a aprovação da nova Constituição de 1988, por meio do Artigo 68° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que afirma: “Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
A aplicação da lei foi, por muito tempo, inviabilizada pela falta de decretos aplicativos, bem como pela forte oposição de várias forças políticas ligadas aos interesses dos grandes latifundiários, grileiros, mineradoras, entre outros.
Na década de 90, graças às novas teorizações da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), “o termo ‘quilombo’ deixa de ser considerado unicamente como uma categoria histórica ou uma definição jurídico-formal, para se transformar, nas mãos de centenas de comunidades rurais e urbanas, em instrumento de luta pelo reconhecimento de direitos territoriais” (TRECCANI, 2006).
A efetividade e a aplicação do artigo 68 da Constituição se tornou realidade com o decreto nº 4.887 de 20 de novembro de 2003 editado no governo Lula. No artigo 2° se afirma: “Consideram-se remanescentes das comunidades de quilombos os grupos étnico-raciais segundo critérios de auto atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada a opressão histórica sofrida”.
O uso e a posse coletiva da terra foram pilares fundamentais para as comunidades quilombolas adquirirem a subsistência material, mas também, manterem seus costumes, tradições e sentimentos de pertencimento a um lugar. É por isso que muito mais do que uma procura arqueológica do passado, o resgate da posse e a permanência no território se tornam garantia fundamental para a sobrevivência e continuação destas comunidades.
Além de garantir o direito à auto identificação como único critério para reconhecimento das comunidades quilombolas, o Decreto 4.887/03 determinou a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA/INCRA) para o cumprimento das determinações constitucionais no que diz respeito às áreas de quilombos no Brasil.

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