sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Mais de 100 quilombolas comemoram o dia da consciência negra em companhia de “Dom Zumbi” de Alberto Banal

A Associação de Apoio às Comunidades Afrodescendentes – AACADE e a Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas – CECNEQ,  com o apoio e a colaboração do MAC Museu Assis Chateaubriand/UEPB, organizaram um encontro com as comunidades quilombolas da Paraíba para comemorar o dia da consciência negra no dia 20 de novembro de 2012.
O evento aconteceu no MAC-Museu Assis Chateaubriand de Campina Grande onde está em andamento a exposição “Quilombos da Paraíba – a realidade de hoje e os desafios para o futuro”, do fotógrafo italiano Alberto Banal e dos 52 alunos quilombolas do projeto Fotógrafos de rua.
O sucesso foi além do esperado: com efeito, conseguiu-se organizar a vinda de cento e dois quilombolas de oito comunidades. Momento forte foi o encontro dos quilombolas com o Arcebispo emérito da Paraíba, Dom José Maria Pires que, vale a pena lembrar, foi o primeiro bispo negro do Brasil.
Mas, vamos seguir a ordem dos fatos, pois que a agenda do dia foi longa e acirrada. Bem cedinho Luis e Francimar, da associação AACADE, foram buscar na comunidade do Grilo, a loçeira dona Lurdes, com sua irmã Paquinha. Chegaram ao museu junto com o carro que estava trazendo os três representantes da comunidade Senhor de Bonfim. Na espera já estavam as jornalistas da União e do Jornal da Paraíba.
“Nem comecei trabalhar que já é pra falar” – afirma dona Lurdes - mas, sem problema nem medo nenhum, se disponibiliza a contar a história sofrida da sua vida. Zezinho, da comunidade Senhor de Bonfim, ressalta que depois de alcançar a posse da terra, tudo mudou: “Agora sim que é vida! Antes a gente só respirava e comia, quando tinha. O restante era sujeição, trabalho escravo”.
Não faz muito tempo, para qualquer quilombola, sem instrução e quase nenhum contato com a sociedade “civil”, era inimaginável enfrentar uma conversa com um estranho, tampouco com um jornalista. “Mas os tempos mudaram, alias a cabeça mudou” – afirma com decisão Paquinha - “agora eu sei o valor de ser negro, tenho orgulho disso, ando e falo de nariz empinado frente a qualquer, fosse mesmo o presidente da republica”.
 
         1. dona Lurdes com as jornalistas  2.dona Lurdes e Paquinha com as jornalistas

 
  1. Zezinho durante a entrevista  2. dona Lurdes gravando para o telejornal
O trabalho de anos de AACADE e CECNEQ, com as comunidades quilombolas está dando seus frutos e é um prazer partilhar juntos estas significativas conquistas.
A chegada, às 11.00 horas, do grupo de capoeira do quilombo Matias (Serra Redonda) enche o adro do museu e a sala expositiva de alegria. A exibição dos jovens capoeiristas envolve imediatamente as duas turmas de estudantes presentes.
Finalmente, depois de uma longa viagem, às 12.00h, o micro ônibus disponibilizado pelo CFP/UFCG de Cajazeiras, desembarca os representantes dos quilombos Negros das Barreiras (Coremas) e Os Rufinos (Pombal). Grande festa e emoção, quando o grupo entra no museu acompanhando Seu Domingos, o patriarca de 84 anos que se tornou ícone da mesma exposição.
Depois do almoço, se forma uma roda atenta ao redor de dona Lurdes e do grupinho dos velhos quilombolas que emocionam os numerosos visitantes com as histórias das suas vidas e das tradições e costumes repassados pelos antepassados. Zé Pequeno, líder do quilombo Negros das Barreiras, lembra aos jovens a importância do estudo para alcançar um futuro melhor.
   
1. Francimar (AACADE) organizando o encontro 2. A fala de Paquinha 3.A fala de Zé Pequeno

Até que conseguiram chegar, às 14.30h, os mais de trinta alunos do projeto Fotógrafos de rua e o grupo da ciranda dos quilombos Grilo, Pedra d’Água e Matão. O ônibus disponibilizado pela UEPB foi pega-los inexplicavelmente com mais de uma hora de atraso e eu estou furioso para o que considero uma falta de respeito, mas os jovens quilombolas nem estão aí, tal é a felicidade e a alegria em se reencontrar com amigos de outras comunidades e partilhar a nova experiência. A força ritmada da batida da zabumba do Grilo empurra o povo a expressar a sua profunda vontade de viver numa roda fervilhante e vibrante.
As 15.30h, o momento mais marcante do dia: o encontro com Dom Zumbi, aliás, Dom José Maria Pires, que ganhou este apelido por causa da sua luta em prol da causa negra. Fui pegar Dom José no aeroporto de Campina Grande onde desembarcou sozinho depois de uma viagem de mais de cinco horas, provindo de Belo Horizonte. Com os seus 93 anos, ele sobe firme a branca rampa que leva ao museu carregando as lembranças do passado e as esperanças do futuro. Entro na sala barulhenta para frente e anuncio a chegada de Dom José. Segundos de silencio e logo em seguida um tsunami de abraços, beijos no rosto, beijos do anel episcopal, de joelhos... cada um a sua maneira, como o coração, a tradição, o costume mandam. Dom José tem um carinho para com todos, que se torna especial com as crianças e os mais idosos. Profundo o abraço recíproco com Seu Domingos. A miudeza de Zé Pequeno se perde na magreza de Dom José. E muitos são os abraços e os beijos de dona Lurdes: “Ele foi à minha casa, comeu na minha mesa!”

    
      1. A chegada de Dom José  2. O abraço de dona L urdes  3.O encontro com Seu Domingos
A fala de Dom José, sem hesitações, firme, fruto de muitos estudos teóricos e na escola da vida é clara e adequada para os ouvintes.
“Estamos recolhendo hoje e aqui os frutos do sangue de Zumbi, símbolo da resistência de nossos antepassados. Eles foram trazidos à força da África para essas terras, arrancados de sua Pátria, separados do seu povo e de sua família, misturados com pretos de outras línguas e de outros costumes. Violentaram-lhes a consciência, impuseram-lhes uma religião que não escolheram... Pretos, meus irmãos! Como nossos antepassados, viemos de vários lugares. Diferente deles e menos puros do que eles, trazemos na pele colorações variadas. Na alma, crenças diferentes. Mas neles e em nós estão presentes e são indeléveis as marcas da negritude. Somos negros e não nos envergonhamos, não queremos mais nos envergonhar de sê-lo. O negro não é inferior a ninguém. Somos todos iguais e a sociedade tem o dever de dar aos negros o que lhe pertence por direito.”
Dom José fala com o coração na mão e o povo entende muito bem a lição de uma vida dedicada inteiramente a defesa dos direitos humanos, especialmente dos negros.


Na volta da ciranda, Dom José entra na roda com passos leves e espertos. E como o povo gostou! Porque nada de exibicionista ou folclórico estava naquele gesto simples e espontâneo. Longe de leituras intelectualóides e forçadas, a gente percebeu o verdadeiro sentido: uma forma especial de comunhão.




E quando a festa parecia estar acabando chegaram as cirandeiras de Caiana dos Crioulos guiadas pela esmagadora e irresistível Cida. Cada passo uma lembrança, cada batida um projeto, cada rodada um sonho, cada letra um grito: viva o povo negro, viva os quilombolas, viva Dom Zumbi.



Luis Zadra, Dom José Maria Pires, Alberto Banal
Dom José com jovens quilombolas do Matão
Dom José com jovens quilombolas do Matão

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